sábado, 27 de fevereiro de 2016

Um poema selvagem...

Um poema selvagem
mustang
que não se deixa montar
com o freio nos dentes
um poema
em que cada verso
seja um coice
certeiro a rimar
com o pó das estradas
e das estrelas
equilibrando-nos
na garupa 
de uma vida
insustentável.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

Uma escrita sem espinhas....

Uma escrita
sem espinhas
descarnada
como crianças
sérias
de carne e osso
fugidas
das guerras
e da fome a sério
crianças sem fitas
e sem laços
com olhos de espanto
órfãs brincando
com espinhos
e estilhaços
Lisboa, 11 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

Poema desgarrado


Garra é precisa
nem que a escrita
seja desgarrada
de versos brancos
que se afirma
onde nada se agarra
sem idade
como pegadas de sangue
a florir na neve
onde apenas rima
a lâmina gelada
da verdade.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

Vivo dividido

vivo
dividido
entre destinos exóticos
de pimenta
e aromas domésticos
de hortelã
Lisboa, 11 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

Aurora boreal

No almofariz
esmago
pigmento
de musgo
de casca de ovo
um canto de galo
de aldeia
invento ali
a aurora boreal
que nunca vi.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

toda a noite chove

toda a noite chove
sobre o meu
o dilúvio do teu corpo
sonho "eppur si muove"
Lisboa, 9 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

Escultura precária



Para escuta e olha
geringonça
tímida estátua
num canto da praça
montagem
de pele e osso
de olhar vítreo
na penumbra
o coração
quase sem corda
bate-lhe
imperceptível
à flor da pedra
por debaixo
do tom plúmbeo
e da pele
agulhas de néon
ferem-na
esquálida
não lhe encontram
a veia
tudo para além
da incerteza do pão
e heroína
de desbotado sorriso
de baton
e ponteado de cáries
no colo que na noite
ofereces
acabará por pousar
um errante
manga de alpaca
com garrotes
de gravata e de vazio
que o alcool
por momentos afoite
num encontro
de desgastado calcário
abraçando
o bronze de burocrata
celibatário.

Lisboa, 5 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

Escultura de autor desconhecido