Saio da garagem e no halo de luz que o portão oferece, na sua lenta ascensão, no jardim de fronte erguia-se uma mulher de meia-idade, de pé, nos seus cerca de 1,80 de altura de glamour, elegância e óculos escuros.
Não posso jurar que era loura ou se foram os raios de sol que me encadearam. Arrastavam-na pela trela, três caniches que iam à sua frente como se fossem batedores. Percebi o olhar insinuante, nele um fulgir de sensualidade, outras vezes, um prelúdio de sono, o que fazia sentido pois era meio-dia.
Pergunto-me como pude ver tudo isto num relance e com a mão no volante? Passei por ela, o mais devagar que me era permitido por lei, esfreguei os olhos ainda incrédulo. A centenas de metros dali voltei para trás, queria ver melhor se era um sonho ou visão, tocar-lhe não ousaria.
Cheguei de novo ao local da cena e afinal já tinha desaparecido, escapuliu-se, nem sombra, só havia deserta a pequena esplanada e impávidos, os bancos verdes do jardim.
A explicação mais consistente é que era uma mulher que só tinha existido como tantas outras, nas sessões de cinema da meia-noite do Quarteto, no celuloide dos primeiros filmes americanos, dos anos cinquenta, agora recuperados e pintados a cores pastel e no entanto, mudos como eu tinha ficado.
Tratou-se pois e isso é que fica para a posterioridade, de uma aparição cinematográfica debaixo das palmeiras para nos salvar da rotina, algo de tropical, será que esta também provoca alucinações, seria um milagre, pura tentação, pareceu-me excessivamente teatral mas deixa-me ainda, esta agradável ilusão de poder ter uma diva por vizinha, criada a partir do nada e da câmara escura da minha garagem.
Lisboa, 30 de novembro de 2015
Carlos Vieira