terça-feira, 17 de novembro de 2015

Mãe, chegaram notícias outra vez de Paris


Espreito teu vulto
sentada sobre a erva macia
do teu peculiar modo de olhar o mundo
o sol a prumo estava pendurado à tua espera
em jeito de provocação tiravas o chapéu de palha
respiravas ao de leve e pausadamente inclinavas a cabeça
para trás em suave declive até fixares o olhar no céu azul
até deixares de ser apenas uma ficção e te despenhares na realidade
eram palavras as aves que partiam de ti num aparato de primeiro voo
ainda frescas que tinhas colhido no ao crepúsculo de doméstica floresta
no microcosmos das tuas mãos circulava a brisa de um beijo imperceptível
nessa subtileza dos afectos e da ausência aprendia-se o florir efémero de um sorriso
reabria-se uma antiga fenda nessa parede inexpugnável da idade da indiferença
adensar-se-ia o mistério se o peixe esquivo não esboçasse uma brevíssima carícia
na semi aberta concha de uma solidão impenetrável depois que foste a mãe distraída
foste no início da noite de anteontem o vulto de mãe inconsolável logo que te chegaram
céleres as notícias de Paris.
Lisboa, 15 de Novembro de 2015
Carlos Vieira


Despertares


Acordo
e o teu corpo
desmorona-se
a tua pele escurece
como se fosse possível
eu poder fazer-te sombra
acordo
e o murmúrio do teu sangue
desaparece
como um rio
que muda de rumo
acordo
tudo se esquece
até essa memória intensa
da profusão
do teu perfume
acordo
neste meu lado
da cama da solidão
sem acordar na viagem
dos teus lábios
acordo
sem luz e sem nexo
depois do labirinto palpitante
do teu sexo
acordo
não te encontro
neste mundo
sendo tu tudo para mim
neste amplexo de luz
sendo o que foi a madrugada
também és o nada.
Lisboa, 13 de Novembro de 2015
Carlos Vieira

Poesia dos simples


Invejo
esses poetas
da sobriedade
em silêncio na distância
levam a lua pela mão
tem sempre o mar ali ao pé
e se por acaso a tristeza ou a alegria
lhes invade o coração
subsiste uma fonte inesgotável
de poesia à flor da pele
e uma reserva de amabilidade
inabalável.
Lisboa, 13 de Novembro de 2015
Carlos Vieira

Nunca imaginara...

Nunca
imaginara
como era difícil
beijar-te
em pensamento
e em simultâneo
ter as mãos
nos bolsos
Lisboa, 12 de novembro de 2014
Carlos Vieira

perco-te...

perco-te
nesse mar
aberto
de não saber
amar-te
de navegar
á vista
na espuma
dos dias
sem ousar
Lisboa, 12 de novembro de 2015
Carlos Vieira

olho por ti...

olho por ti
e cego
olho para ti
sem sossego
Lisboa, 12 de novembro de 2015
Carlos Vieira

Sentir-te só


Sopra
o vento na estepe
a neve tudo pode esconder
excepto
os teus cabelos despenteados
o teu rosto afogueado
Iluminado
pela luz bruxuleante
do candeeiro
na tenda apertada
do sem fim
do amor
até a terna memória
do beijo à esquimó
ameniza
um pouco esta Sibéria
esta desesperada
miséria
de te sentir só
Lisboa, 12 de Novembro de 2015
Carlos Vieira