sábado, 31 de outubro de 2015

Olhar de veludo


De veludo
sem franquia
é o seu olhar
defraglando
o êxodo
dos pássaros
por dentro
da árvore
ancestral
um eco
no corpo
respira
enclausurado
onde transparece
um silêncio
iluminado
na sua pele
que a brisa
suave
de eternidade
enlouqueceu.
Lisboa, 11 de Outubro de 2015
Carlos


sábado, 3 de outubro de 2015

Breviário dos instantes


Sento-me
na madeira escura
de carvalho 
dos bancos de igreja
não vim pedir
perdão de nada
ou atrás do infinito.
Sei que encontraria
ali aquela
a luz velada
que perpassa
pelos vitrais
a discreta
réstia de um grito
da alegria.
Iria ser
banhado
pelos reflexos
imperceptíveis
na subtileza
de um óleo
de autor anónimo
o soluçar línguas
de fogo e dourado.
Vou ouvir
murmúrios
de lanternas
e confissões
o restolhar
das sandálias
no desgastado
calcário
as minhas
a aperta-me
os calos
do dedo grande.
Comungo
do eco gutural
das preces
por debaixo
da cúpula
de tanto
esquecimento
sustentada
no frio das colunas
onde se encostam
abstractos vultos
em recolhimento.
Regresso
à intermitência
das velas
que lá vão consumindo
pedidos
desesperados
e gratidões
absurdas.
Sucendem-se
aos olhares
embargados
o indagar
de respostas
em Cristos
crucificados
outros ajoelham-se
compungidos
debruçados
sobre si
próprios.
Lisboa, 2 de Outubro de 2015
Carlos Vieira

A lua saíu para a noite

a lua saíu para a noite
e surpreendeu a coruja
a roubar azeite no lagar
isso foi uma clarividência
Lisboa, 3 de Outubro de 2015
Carlos Vieira

Écloga do vale do Lena


Eu tinha cinco anos
eram oito da manhã
mais coisa 
menos coisa
do alto da encosta
ao cimo do Outono
observava o vale
estremunhado
havia um castelo
à esquerda
e Rodrigues Lobo
com seus salgueiros
e rouxinóis
um incansável rio
a serpentear
estendiam-se
a perder de vista
na outra margem
a fazer a grande curva
de nuvens rodeado
um pequeno monte
nessa altura
tive um amigo
o único milhafre
da minha infância
esperava que chegasse
para levantar voo
do alto da faia
depois sobrevoava
de asas abertas
o meu mundo
que era do tamanho
dos sonhos.
Lisboa, 3 de Setembro de 2015
Carlos Vieira


Imagem de autor desconhecido, retirada do Blog "O Prazer da BTT" perto da nascente do Rio Lena
que infelizmente como eu, corria muito mais, na minha infância!

Voltar ao amor sobre as dunas...

voltar ao amor sobre as dunas 
devorar das camarinhas
pérolas brancas testemunhas

Lisboa, 3 de Outubro de 2015
Carlos Vieira


O cheiro limpo da resina...

Eo cheiro limpo da resina
no pinhal e a memória única
do sabor das púticas*
Lisboa, 3 de Outubro de 2015
Carlos Vieira


*Tubérculos de magnifíco sabor que apareciam de forma pouco abundante nos pinhais da zona oeste, mais conhecidos por pútegas e búxigas;

Os arbustos do crepúsculo...

os arbustos do crepúsculo
estremecem de permeio refulge
a cauda de fogo da raposa

Lisboa, 3 de Outubro de 2015
Carlos Vieira