O frio
tem para ti a grande vantagem
de nos tornar filósofos
invejas o poder dos metereologistas
que acompanharam o bailado
das deslocação entre as altas e as baixas pressões
da tua vida
procuras perceber a resignação
dos homens que amanham a terra
e lançam a semente
esses facilitadores diários do futuro
e daqueles que quando não tem mais nada
para dizer
falam do tempo
que enrijece os ossos
desencantados no eterno regresso
à sua infinita fragilidade
o vento assobia lá fora
na rua deserta
onde tudo se faz numa democracia
de dois sentidos
dormitas embalada
tu que gostavas de dormir
e agora só descansas
longa vigilía sem porquê
e entregas-te
a esse enorme vazio
de emoções
esperas para amanhã
aquilo que nunca se podia
ter feito hoje
espera-se por temperaturas mais elevadas
e pelos melhores dias que virão
com uma pequena manta de viagem
por cima das pernas
pensas
que caber-te-á
fazer um dia
o papel de pó e também de vento
de lamber as feridas
de fazer a música
nesse inusitado acordeão
feito das arestas das esquinas
do vibrar do alumínio das marquises
e do ressoar nas frinchas mal fechadas
das vidraças
um dia irás morder o pó das estrelas desfeitas
e que te foram prescritas
em forma de cápsulas para baixar a tensão
irás desvendar a noite em passo de fantasma
tornando-te brisa mansa na madrugada triste
agora sorris
enquanto aguardas sentada a ternura de um porvir
que torne um pouco mais luminosa
a tua tranquila solidão de estufa
onde sem querer
te aprisionaste a ti e ao tempo
onde nada acontece
nem frio
como se a morte
essa última quietude
estivesse chegado sem dares por nada
e sem te mexeres
lutas pela sobrevivência
respirar
é pois esse o teu último desafio.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira
“A Room in Brooklyn”, 1932' de Eduardo Hopper "o pintor do silêncio"