quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Espelho III



Passei para o outro lado
do espelho
e agora não sei
o caminho de volta
agora que te encontrei
não sei se sou eu
se é o espelho
feito em estilhaços
espelhado
pelos quatro cantos do mundo
de ti.

Lisboa, 30 de Outubro de 2014
Carlos Vieira

Espelho II

Espelho II

Espelho meu,
espelho meu,
porque mentes?
devolve-me
a luz e a voz
tudo aquilo
que fui
o que sou eu.

Lisboa, 30 de Outubro de 2014
Carlos Vieira

Espelho I



Quando me olho ao espelho
não vejo o argueiro
no meu olho
suspeito
que um parasita
me invadiu
o coração.

Lisboa, 31 de Outubro de 2014

Carlos Vieira

Pálpebras...

Pálpebras
asas
e pétalas
neste outono
de onde se desprende
o voo
de um olhar
que se despede
num sono de morte.
Lisboa, 29 de Outubro de 2014
Carlos Vieira

Poema por um olhar de equídeo


Um cavalo
atravessou o auto-estrada
à minha frente
chuvia torrencialmente.
Não consegui
evitar que o seu olhar
me acompanhasse
uma boa dezena de quilómetros
na dança do limpa-pára brisas.
Encostei numa estação de serviço
e só aí o endiabrado alazão
me pareceu ter regressado à campina.
Não foi a primeira vez
que me senti tão incomodado
por um tão humano
olhar de animal.
Desta vez
telefonei à Brisa.
"-Está um cavalo encurralado entre rails
ao quilómetro 65!"
Lisboa, 28 de Outubro de 2014
Carlos Vieira


Ritual


Eu falo-te
não me ouves
nem reparas
que estou
a teu lado
que só tenho
olhos para ti
que tu és o ar
que respiro
afastas-te
vou atrás de ti
sigo-te
não posso
perder-te
páras mais
à frente
julguei
que talvez
esperasses
por mim
agachas-te
fico preso
na magia
da imagem
do teu pé
descalço
do teu busto
dobrado
das tuas
mãos hábeis
a apertar
o atacador
agora
que estás
de joelhos
desse ângulo
podes ver-me
e dizer-te
do meu amor
sem te parecer
um absurdo
excesso
enquanto isso
dás o nó.
Lisboa, 28 de Outubro de 2014
Carlos Vieira

Pintura de Anna Berozvskaya

O caminho das pedras


Ouvi um estrondo
uma chuva
de pequenas pedras
uma nuvem de pó
na pedreira
que extirpa
da montanha
o calcário
e há um trabalhador
que surge
junto a um contentor
apenas um rosto
ensanguentado
de um Deus
sem capacete
que desce o calvário
que sobreviveu
à tragédia
ao fadário
das estatísticas
dos acidentes
de trabalho.
Serra dos Candeeiros, Setembro de 2014
Carlos Vieira