segunda-feira, 12 de maio de 2014

Tragédia rural


tragédia rural

mais um dia do louco alvoroçado no campo de trigo, a espantar os pardais, a destruir as espigas, o louco não pensa na colheita, nem no pão, nem no tiro da espingarda que atroou a serenidade rural, os cães de caça foram a correr e regressaram a ganir de cauda escondida, para junto do outro louco que sobreviveu.

Lisboa, 12 de Maio de 2014
Carlos Vieira

domingo, 11 de maio de 2014

Estava sobre a muralha...

estava sobre a muralha 
observa o espelho de água
e ouve-a que se despenha 
no açude
a harmonia e a queda
ele levou consigo
a afiada lâmina da corrente
e das pedras

Lisboa, 11 de Maio de 2014

Carlos Vieira

As palavras cedem...

as palavras cedem
ao silêncio
e este à sede

Lisboa, 11 de Maio de 2014
Carlos Vieira

No céu...

no céu
uma única nuvem
a ave de rapina

Lisboa, 11 de Maio de 2014
Carlos Vieira

O peregrino segue...

o peregrino
segue 
pelo caminho de ferro
desactivado
pousa o ouvido
no carril enferrujado
e ouve-se 
a sua alma
uma locomotiva
a latejar

Lisboa, 11 de Maio de 2014
Carlos Vieira



Mãe terra


Espreito 
o colo eterno 
do enternecer
no fecundo peito
de um ser materno
na usura do entardecer
do mundo.

Lisboa, 11 de Maio de 2014
Carlos Vieira



Uma mulher na paragem do tempo


Vi-te
ontem,
porém tu
não me viste,
estavas
na paragem
do autocarro,
lias um livro.

Ali estavas,
serena,
esquecida
de mim,
página
virada
da tua vida.

Tive para parar,
te oferecer
boleia
mas não sabia
para onde ías,
nem em que capítulo
ficámos.

Foi melhor
assim
tu arrumada
a um canto,
livro que amei ler
que teve
o seu tempo
o seu encanto.

E agora
eras mais
uma miragem,
apenas
um estremecimento,
na paragem
do autocarro.

Lisboa, 11 de Maio de 2014
Carlos Vieira

                                                 "Woman at the bus stop" Jörg Zenker