segunda-feira, 21 de abril de 2014

Elogio à discrição



Discreto
levitar
da tua silhueta
a passear
erecta
sob o drapejar
das folhas
por instantes
pousa
no teu seio
um pássaro
a quem
como eu
lhe pareceu
ouvir
um secreto
imperceptível
suspirar
do teu sagrado
coração.

Lisboa, 21 de Abril de 2014
Carlos Vieira

O Silêncio de Odilon Redon

Soar do gongo



O eco do gongo
nas montanhas
acorda o pastor
chama à oração
o monge asceta
inicia avalanche
o voo do falcão
baliza o trilho
e a distância
entre o cume
e o precipício
bate uníssono
coração dentro
de nós o gongo
desesperado.

Lisboa, 21 de Abril de 2014
Carlos Vieira



Um lugar para o amor



Chamava-se Joana
e apenas conserva dela
uma imagem enevoada
do seu rosto 
como se tivesse 
uma máscara
envergava
umas jeans
e uma blusa branca
lembra-se
da sua voz rouca
e da suavidade 
única dos seus lábios
e da inacreditável
arquitectura
dos seus seios
ali junto ao Forte de Carcavelos
lembra-se de ficar
encadeado pela lanterna
de um militar da GNR
"-Não se pode fazer amor aqui!"
sublinhado
pelo barulho do mar.

Lisboa, 21 de Abril de 2014
Carlos Vieira

domingo, 20 de abril de 2014

A bola bateu na trave...

a bola bateu na trave
e depois no poste
fez tabela
no guarda-redes
e devagar
atravessou
a linha de golo
da alegria
e da tristeza

Lisboa, 20 de Abril de 2014
Carlos Vieira

A rapariga do trapézio


a rapariga do trapézio
foi ave mais bela 
que conheci

de todos os espetadores
do circo
só eu fazia voar aquele sorriso

lembro-me do primeiro
beijo
sem rede

tantas vezes fizemos amor
entre rugidos de leão
e rangidos de rulotte

eu espreitava na tenda
onde ela voava 
de coração apertado 
e a seguir
era o nosso número 
de magia
de cortar a respiração

havia um momento
em que o circo partiu
e eu fiquei definitivamente
com o trapézio
do dia a dia

Lisboa, 20 de Abril de 2014
Carlos Vieira

 O amor de Marc Chagall

Ela sacode...

ela sacode 
o tapete
persa
e dele caiu 
o brinco
o mesmo 
que ouviu
o beijo
e calou
o segredo
e se desprendeu

Lisboa, 19 de Abril de 2014
Carlos Vieira

Hora de recolhimento

Embrenho-me 
num pequeno 
bosque de bétulas
vislumbro um vulto 
talvez um animal
um veado à solta
pura reminiscência 
que suscita a catedral
de pratas dos troncos
no vitral feito da nervura 
das folhas refractada 
em reflexões de luz difusa
de brincos precários 
de água e sempre 
renovadas ilusões.

Lisboa, 20 de Abril de 2014


Carlos Vieira