sexta-feira, 18 de abril de 2014

Eterno retorno III



                                                                           O amor ou é louco ou então não é nada. (Milan Kundera)

do teu corpo 
ficaram
indeléveis 
as frequências
os recantos
a tendência
de decantar
na paisagem
que me cerca
os teus aromas
o pecado 
de conspirar 
nos teus lábios
a ler para mim
no meu tronco
a dedilhar
o deslumbramento
ao despertar 
entre a névoa
do desejo
hoje procuro
rente à pele decifrar
as cicatrizes
que deixaste 
por sarar
regressar a ti
descobrindo
no caminho
os rastos
que fiz sozinho
acompanhado
de estranhos ritmos
e cintilações
que não destrinço
se vindas
do passado
se do futuro
não sei se estou
tão perto 
ou se tu estás 
tão longe assim
ou vice versa
no amor sempre
prevalece 
este equívoco
esta desordem 
do tempo
e da distância
em que tu
és apenas 
tudo aquilo 
que nunca
se esquece

Lisboa, 18 de Abril de 2014
Carlos Vieira



quinta-feira, 17 de abril de 2014

Coração de quatro folhas

Coração de quatro folhas

I

nesse dia 
a neve caiu 
e tu foste nua
a razão de fogo
que nos despiu

II
em noite de Verão
foste todas 
as fases da lua
instante dourado 
das folhas em dança 
de Outono
nas primeiras chuvas

III
permaneces
latente 
flor de luz
a iluminar
o caminho
que permitiu
lembrar
o rumo 
inexplicável
do coração

IV
o teu rosto 
urgente
é a bússola
que me faz
acreditar
nada estar 
perdido
só de seguir
teu olhar
o sorriso
emergente
de amanhecer


V
ainda
acredito 
no teu cuidado
atento 
à estranha solidão
de um momento
em que me atrevo
e onde leio 
o teu silêncio
onde descobres 
o mar
que se vai quebrar 
de encontro 
ao cego encanto 
onde te perdi

VI
tu que descrevo
e te revelas
nas quatro páginas 
efémeras
de um conto
de um trevo
onde procuro
esquecer-me
de toda a ausência
e desencontro

Lisboa, 17 de Abril de 2014
Carlos Vieira

terça-feira, 15 de abril de 2014

Eis-me aqui cercado do verde irlandês...

Eis-me aqui cercado do verde irlandês, das pastagens, das sebes, dos renques de árvores, que fazem de fantasmas desgrenhados contra o pôr-do-sol. o horizonte distante e eu neste quarto de hotel, amarrado contra à minha pele, a expôr o meu ponto de vista, todo muito cinzento, como deve ser. cumprindo este desígnio de lamber papel e fazer de conta que descobri o ovo de Colombo ou que inventei a roda. lá fora o sol brilha insistentemente, e pela vidraça, imaculada, vinda da direita para a esquerda, a aparição de uma bicicleta vai pelo campo fora, duas rodas e uma rapariga de jeans, tudo tão sereno, pueril e harmonioso, nem a corrente salta da cremalheira, e eu que procurava  alinhar as ideias e dar-lhe sequência e ritmo, perdi-me na dissertação, perante o consórcio de observadores, sempre atentos à mínima falha e que nestas coisas dos eventos internacionais, tem outra pedalada.

PortLaoise, 15 de Abril de 2014
Carlos Vieira



segunda-feira, 14 de abril de 2014

Gaiola pendurada

gaiola pendurada
na varanda
oculta no meio do estendal
pássaros
com aroma de detergente
cantam por debaixo 
da tua roupa

Lisboa, 12 de Abril de 2014
Carlos Vieira

domingo, 13 de abril de 2014

geografia humana



se tu vivesses
neste fuso horário
se o teu rumo apontasse
este hemisfério
se eu fosse o teu meridiano
tu serias o meu norte magnético
eu iria pelos meus dedos
percorrer a terna geografia 
dos teus altos e baixos 
relevos
acompanhado da baixa
pressão dos teus lábios

Lisboa, 12 de Abril de 2014
Carlos Vieira

Fauna I



a elegância da gazela
só é possível
porque a chita a persegue
na savana
o que resta 
são a sombra dos embondeiros 
no crepúsculo

Lisboa, 12 de Abril de 2014

Carlos Vieira

O curativo

Desenrolou
o rolo de gaze 
pegou na tesoura
e cortou-a 
delicadamente
e meticulosa
colocou-a 
sobre a ferida
depois o adesivo
aconchegou-a
ao corpo
tudo rimava
em dolorosa
serenidade
gestos de amor
silêncios 
e pausas de poesia.

Lisboa, 12 de Abril de 2014
Carlos Vieira