sexta-feira, 28 de março de 2014

Enquanto chove...

Enquanto chove
à mulher ocasional
ouço-lhe todo o rosário
de lamentações
que a todos corrói
no abandono do quintal
em simultâneo
oiço toda a manhã
os pingos de chuva
na bacia de esmalte
em requiem de fundo.

Lisboa, 28 de Março de 2014

Carlos Vieira

quinta-feira, 27 de março de 2014

Panorâmica VII



Chegou à praça, um imenso rectângulo onde o sol ameaçava qualquer sombra
já ele ía alto na manhã e do extraorinário rectângulo do teu leito escorriam os lençóis
tu eras uma estátua de pedra onde correram um dia sonhos de água e adormeceu o fogo.

Lisboa, 27 de Março de 2014
Carlos Vieira

Panorâmica VIII



O cavalo resfolgava, correndo de um lado ou outro na frente do exército que expectante aguardava, os estandartes erguiam-se flamejantes e nas pontas das nervosas lanças, o sol dardejava, as lâminas afiadas das espadas suspiravam, os arcos ardiam de desejo pelas inquietas setas, o general conhecia em detalhe todas as suas armas e estava confiante que 
a transcendência de alguns dos seus homens pudesse vencer a desconhecida cobardia 
e traição de outros, o resto ele confiava na incrível capacidade de encontrar o ritmo da batalha, 
de perceber a perturbadora vantagem de conhecer, sentir o pátrio terreno e a esperançosa 
resposta que dera perante os últimos apelos desesesperados da sua amada que em preces 
e ânsias, aguardava, se a desdita da derrota o acometesse por certo a venderia muito cara.

Lisboa, 27 de Março de 2014
Carlos Vieira

Panorâmica VI



Chegou ali em frente ao mar como de costume azul e não faltou, na areia dourada,
apenas as ondas às voltas e até aí, tudo normal, apercebeu-se de uma mancha branca 
ao lado esquerdo da cena, um rosto forrado à rocha negra, chorava de raiva em silêncio.

Lisboa, 27 de Março de 2014
Carlos Vieira

Panorâmica V



O seu olhar convergiu para o pinhal e perdeu-se nos troncos castanhos e nas cabeleiras verdes
do interior de súbito num barco a remos a rapariga de longo cabelo ruivo que a deixa seminua
e na boca sentia-se o sabor breve dos pinhões e no ar enlouquecia o aroma intenso da resina.

Lisboa, 27 de Março de 2014

Carlos Vieira

quarta-feira, 26 de março de 2014

Vistas panorâmicas IV



O ciclista erecto em cima do selim pedala estrada fora na berma longitudinal do asfalto 
os riscos amarelos descontínuos até perder vistas dividem o mundo em dois sentidos
um ramo seco de arbusto sobrevoa o caminho mais à frente há um rasto de travagem.

Lisboa, 26 de Março de 2014
Carlos Vieira

Vistas panorâmicas III



O rio atravessa-lhe a página em branco e quase se ouvia a corrente
antílopes ruminavam o horizonte castanho e as folhas do canavial 
lambendo fechou tudo no envelope e endereçou-o à família distante

Lisboa, 26 de Março de 2014
Carlos Vieira