sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

País aguado



País de água
que assoma nos interstícios 
de adobe
de casas antigas
preenchendo as brechas abertas
em memórias agitadas
ao largo
da presunção da inocência
na margem dos suor frio
um amor que se encontra abalado
sem rumo
perante o trágico desmoronar
dos caminhos
o nível das águas vai subindo
ninguém dorme sossegado
alguém sufoca
na respiração movediça das algas
existe um olhar toldado
na sombra dos castanheiros
as rãs ensaiam os seus saltos ridículos
barcos navegam desgovernados
prevalece o livre arbítrio
na escuridão do canal
está encurralada pelo rumor das piranhas
a clarividência de um pensador
neste país de água
o fulgor da primeira madrugada
inicia-se  agora no peito da minha amada
que deixei a salvo deste caos
sereia resguardada
por uma couraça de escamas
de onde ainda escorre uma réstia
de luar embaciado
e por cima da falésia
contra a sofreguidão do vento
o vulto em contraluz
do pescador de águas turvas
país paciente
ou cansado 
de morrer na praia

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira




quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Reguengos do Alviela



Todos os anos
regresso a ti
ilha mais que provável
isolamento acidental 
ao sabor
das comportas e das marés
barcos 
entram para a janela
e são amarrados às chaminés
meu amor 
não sabe nadar
vem até mim
de galochas
com seus braços de água.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira

Levantas a voz...

levantas a voz
como uma estrela
que derrama a luz
sobre o mundo
como algo
que agora acorda
toda a terra
não levantes a voz
acorda-me apenas
só nós 
encerra
esse história
mal contada
de sermos do mundo

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira



Esta calma...

Esta calma
depois da tempestade
que fazer?
perrmanecer na enseada amena 
do teu peito
ou voltar de novo 
a montar
o coração do mar
cavalo louco.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2012
Carlos Vieira



Encenação de vitíma



Cheguei
ao local do crime
olhei à volta
tudo gente normal
testemunhas e criminosos
polícias e jornalistas
não há um sinal
que os distinga
a vitíma
em silêncio
como é habitual
depois pouco a pouco
aumenta o volume
as sirenes e os pirilampos 
das autoridades e do INEM
a fita para isolar a cena do crime
a vitíma imperturbável
nem uma palavra
pareceu-me
surpreender-lhe 
um sorriso mordaz
fugir-lhe dos lábios.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira



Um burro

Um burro
é um burro
mas sempre que vejo
um inteligente perorar
sobre as vantagens 
integradoras
das praxes
apetece-me
mandá-lo
pastar na relva 
da alameda da cidade
universitária.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2012
Carlos Vieira

Porta voz do vazio

Um discurso em linha recta

Não sabemos 
o que passou aqui
o quer vos podemos
prometer
é que vamos investigar 
de forma exaustiva
vamos passar tudo 
a pente fino.

O que se passou
por aqui
quem teve
por detrás
desta ousadia
deste acto censurável
prometo-vos
que iremos
identificar
o responsável.

O acto
de quem passou
por aqui
teve uma dimensão
uma desconformidade
com as normas
que não poderá
ficar impune.

Como foi o passo
ou qual não foi
o que ficou
por fazer
e que excesso
foi cometido
foi acto irreflectido
algures
encontraremos
um erro.

Tudo isto
não se tratou
de um passatempo
de um trabalho
de amadores
trata-se de algo
maduramente
pensado.

Houve aqui
um planeamento
tudo meticulosamente
organizado
visando
um objectivo
bem delimitado.

A deteção
de um pequeno
passo em falso
é algo
que pode significar
o princípio
do seu fim
do seu autor.

No fundo
a investigação
usa de uma metodologia
através
de pequenos passos
é algo que encerra
uma grande simplicidade
não podemos
tergiversar.

Seguiremos
em ritmo de passo doble
iremos dançar
conforme a música
mas não regatearemos
esforços
para que este
desagradável
assunto
seja cabalmente
esclarecido.

Podemos dar-vos
a sensação
de que estamos
a marcar passo
não queremos
no entanto
dar um passo
maior que a perna
não será
um passeio alegre
e o caminho
estará cheio
de escolhos

Não podemos
ter uma estratégia
errática
de passos perdidos
por este cenário
e para nós
perpassa
um “déjà vu”.

Para terminar
quero deixar-vos
o compromisso
de honra
que vos manteremos
informados
que não faremos
da nossa ação
uma passarelle
de vaidades
e não seremos
passageiros
do supérfluo.

Estamos conscientes
de que estamos
todos nós
de passagem
mas compete
a cada um de nós
cumprir com o nosso
compromisso
de cidadania
todos os dias
a qualquer momento
daremos o passo
em frente
conscientes
da dimensão
do problema
da gravidade
do ocorrido.

Aquilo
que não nos mata
torna-nos
mais fortes
foi-nos confiado
o dever
de ser
guardiões
da nossa história
e empenhados
empreendedores
na construção
de um melhor
futuro.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira