quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Esta calma...

Esta calma
depois da tempestade
que fazer?
perrmanecer na enseada amena 
do teu peito
ou voltar de novo 
a montar
o coração do mar
cavalo louco.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2012
Carlos Vieira



Encenação de vitíma



Cheguei
ao local do crime
olhei à volta
tudo gente normal
testemunhas e criminosos
polícias e jornalistas
não há um sinal
que os distinga
a vitíma
em silêncio
como é habitual
depois pouco a pouco
aumenta o volume
as sirenes e os pirilampos 
das autoridades e do INEM
a fita para isolar a cena do crime
a vitíma imperturbável
nem uma palavra
pareceu-me
surpreender-lhe 
um sorriso mordaz
fugir-lhe dos lábios.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira



Um burro

Um burro
é um burro
mas sempre que vejo
um inteligente perorar
sobre as vantagens 
integradoras
das praxes
apetece-me
mandá-lo
pastar na relva 
da alameda da cidade
universitária.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2012
Carlos Vieira

Porta voz do vazio

Um discurso em linha recta

Não sabemos 
o que passou aqui
o quer vos podemos
prometer
é que vamos investigar 
de forma exaustiva
vamos passar tudo 
a pente fino.

O que se passou
por aqui
quem teve
por detrás
desta ousadia
deste acto censurável
prometo-vos
que iremos
identificar
o responsável.

O acto
de quem passou
por aqui
teve uma dimensão
uma desconformidade
com as normas
que não poderá
ficar impune.

Como foi o passo
ou qual não foi
o que ficou
por fazer
e que excesso
foi cometido
foi acto irreflectido
algures
encontraremos
um erro.

Tudo isto
não se tratou
de um passatempo
de um trabalho
de amadores
trata-se de algo
maduramente
pensado.

Houve aqui
um planeamento
tudo meticulosamente
organizado
visando
um objectivo
bem delimitado.

A deteção
de um pequeno
passo em falso
é algo
que pode significar
o princípio
do seu fim
do seu autor.

No fundo
a investigação
usa de uma metodologia
através
de pequenos passos
é algo que encerra
uma grande simplicidade
não podemos
tergiversar.

Seguiremos
em ritmo de passo doble
iremos dançar
conforme a música
mas não regatearemos
esforços
para que este
desagradável
assunto
seja cabalmente
esclarecido.

Podemos dar-vos
a sensação
de que estamos
a marcar passo
não queremos
no entanto
dar um passo
maior que a perna
não será
um passeio alegre
e o caminho
estará cheio
de escolhos

Não podemos
ter uma estratégia
errática
de passos perdidos
por este cenário
e para nós
perpassa
um “déjà vu”.

Para terminar
quero deixar-vos
o compromisso
de honra
que vos manteremos
informados
que não faremos
da nossa ação
uma passarelle
de vaidades
e não seremos
passageiros
do supérfluo.

Estamos conscientes
de que estamos
todos nós
de passagem
mas compete
a cada um de nós
cumprir com o nosso
compromisso
de cidadania
todos os dias
a qualquer momento
daremos o passo
em frente
conscientes
da dimensão
do problema
da gravidade
do ocorrido.

Aquilo
que não nos mata
torna-nos
mais fortes
foi-nos confiado
o dever
de ser
guardiões
da nossa história
e empenhados
empreendedores
na construção
de um melhor
futuro.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Pequena assombração em três actos



Primeiro acto
uma caixa imóvel
perrmanece
sobre a mesa
fechada
uma esperança
de luz.

Segundo acto
aceso 
o fósforo
a tua mão
da corrente de ar
protege a chama
acaricia a luz.

Terceiro acto
a luz brilha em duplicado
nos teus olhos
neles se acende
a flor áurea de mistério
que se espalha
pelo lado esquecido
do teu rosto
cercado pela noite.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira


Quinze minutos de poesia




Tenho quinze minutos 
para fazer um poema
depois da hora
já não vale
as palavras
ficam à porta
depois do toque
da campainha.

Quantas vezes
as palavras
chegam atrasadas 
à meta da vida
planeada ao cronómetro
neste tempo ocidental
de avaliação
de resultados
de excrescência
improdutiva
da poesia.

Deve adaptar-se
a poesia
à circunstância
apresentar-se
com compostura
e  elegância
ponderar-se o risco
e o desempenho.

Os poemas
devem ser
de consumo
imediato
servidos de pé
ao balcão
ou então
optar-se
por um texto
de “french cuizine”.

O poeta deve
se possível
observar alguma
frugalidade
mostrar o seu
esfíngico ar
e levemente
sofredor
e deve
estar atento
à sua deixa
ao momento
de entrar
em cena.

A poesia
deve ser contida
despojada
quase de toca e foge
pode quanto muito
arreganhar um pouco
os dentes.
mas depois
não deve
acrescentar ruído
às coisas
importantes.

De vez
em quando
a obra poética
deve acabar
por simular
que é de guerrilha
de causas
e de amar
o próximo
como a si mesmo
apostar
em vários deuses
não vá o diabo
tecê-las.

Há também
como não devia
deixar de ser
poemas que são
matemática pura
que conhecem
os limites
muito equilibrada
respeitadora
sem violar 
o tempo concedido
e os espaços
mercados
quero dizer
marcados.

O poema deve
na minha humilde opinião
ter um pouco
de pimenta
e de pecado
uma pequena alusão
sexual
permitir-se
esquecer
por breves instantes
o colesterol
“voilá le flâneur”
e o devaneio.

E já agora a poesia
deve ter algum músculo
obviamente
deixando distante
a epopeia
- isso fica para o Camões -
sem ser musculada
sob pena
de poder ser vista
como simulacro
de algumas
democracias
ou decisões democráticas.

O poema
deve procurar
ser racional
ter mensagem
nas entrelinhas
alguma pedagogia
se for um pouco 
recreativa
faz sentido
para que os jogos florais
não percam
o seu significado
e não ficarmos
tragicamente
envolvidos
em jogos de tudo
ou nada
tudo isto
sem demorar
mais de quinze minutos.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira



segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Excerto de Maria Gabriela Llansol


 [...]

Dizia,
a minha obra nasce nas minhas mãos, estou em relação constante com ela. Esvaído o adjectivo possessivo, encontro a simultaneidade; Tejo-rio é simultâneo com os outros rios, delta ou estuário, ou outra forma de boca. Escoar é escrever e ______________
tornou-se pacífico o pomo da discórdia.

[...]
 
    Penso num motim de palavras; no dia em que eu direi: as palavras amotinaram-se, reivindicam a revolta que a língua sujeita ainda não lhes tinha oferecido.

[...]

    Quando estou assim deprimida como hoje, escrever, preparar a comida, ir aqui ou além, faz-me medo; é o movimento que me incomoda, o desfazer o casulo quando eu própria ainda não decidi nascer. Nestes dias devo nascer conscientemente num mundo desconhecido, e não creio sequer que esse mundo já exista para me receber.

[...]

    O preço da Liberdade é uma certa solidão.

[...]

    Por que escrevo nesta língua que Portugal atrasou como um relógio?
    Atrasar uma língua é torná-la inexpressiva.

[...]

    Por que é que não sinto mais amor por quase nenhum dos seres humanos que me rodeiam? Amaria, talvez, um segundo ser que se veria, em filigrana, por detrás. O remorso deste sentimento me faz retomar a palavra remorso que, finalmente, acho bela. Terá ela uma relação subtil com o segundo? Devo reflectir com o Augusto sobre isto, tão complicado para mim. Há, no entanto, indícios que me comovem, espalhados por toda a parte. Pouco a pouco, as minhas casas, jardins, tornam-se feixes de indícios espalhados. Por mim reunidos. Sinto-me, há uns tempos, uma verdadeira mulher de areia. A sede, a extensão desértica, o amor pela noite refrescante, os pensamentos desligados uns dos outros, mas livres como grãos de areia. Num oásis do deserto há o sofrimento angustiante que me espera, a face com máscara.

[...]

    Procuro não perder o som das vozes que me ocorrem porque nada é mais triste do que o lugar vazio deixado por um texto perdido.

Maria Gabriela Llansol
in, NUMEROSAS LINHAS
Livro de Horas III
Assírio & Alvim