terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Quinze minutos de poesia




Tenho quinze minutos 
para fazer um poema
depois da hora
já não vale
as palavras
ficam à porta
depois do toque
da campainha.

Quantas vezes
as palavras
chegam atrasadas 
à meta da vida
planeada ao cronómetro
neste tempo ocidental
de avaliação
de resultados
de excrescência
improdutiva
da poesia.

Deve adaptar-se
a poesia
à circunstância
apresentar-se
com compostura
e  elegância
ponderar-se o risco
e o desempenho.

Os poemas
devem ser
de consumo
imediato
servidos de pé
ao balcão
ou então
optar-se
por um texto
de “french cuizine”.

O poeta deve
se possível
observar alguma
frugalidade
mostrar o seu
esfíngico ar
e levemente
sofredor
e deve
estar atento
à sua deixa
ao momento
de entrar
em cena.

A poesia
deve ser contida
despojada
quase de toca e foge
pode quanto muito
arreganhar um pouco
os dentes.
mas depois
não deve
acrescentar ruído
às coisas
importantes.

De vez
em quando
a obra poética
deve acabar
por simular
que é de guerrilha
de causas
e de amar
o próximo
como a si mesmo
apostar
em vários deuses
não vá o diabo
tecê-las.

Há também
como não devia
deixar de ser
poemas que são
matemática pura
que conhecem
os limites
muito equilibrada
respeitadora
sem violar 
o tempo concedido
e os espaços
mercados
quero dizer
marcados.

O poema deve
na minha humilde opinião
ter um pouco
de pimenta
e de pecado
uma pequena alusão
sexual
permitir-se
esquecer
por breves instantes
o colesterol
“voilá le flâneur”
e o devaneio.

E já agora a poesia
deve ter algum músculo
obviamente
deixando distante
a epopeia
- isso fica para o Camões -
sem ser musculada
sob pena
de poder ser vista
como simulacro
de algumas
democracias
ou decisões democráticas.

O poema
deve procurar
ser racional
ter mensagem
nas entrelinhas
alguma pedagogia
se for um pouco 
recreativa
faz sentido
para que os jogos florais
não percam
o seu significado
e não ficarmos
tragicamente
envolvidos
em jogos de tudo
ou nada
tudo isto
sem demorar
mais de quinze minutos.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira



segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Excerto de Maria Gabriela Llansol


 [...]

Dizia,
a minha obra nasce nas minhas mãos, estou em relação constante com ela. Esvaído o adjectivo possessivo, encontro a simultaneidade; Tejo-rio é simultâneo com os outros rios, delta ou estuário, ou outra forma de boca. Escoar é escrever e ______________
tornou-se pacífico o pomo da discórdia.

[...]
 
    Penso num motim de palavras; no dia em que eu direi: as palavras amotinaram-se, reivindicam a revolta que a língua sujeita ainda não lhes tinha oferecido.

[...]

    Quando estou assim deprimida como hoje, escrever, preparar a comida, ir aqui ou além, faz-me medo; é o movimento que me incomoda, o desfazer o casulo quando eu própria ainda não decidi nascer. Nestes dias devo nascer conscientemente num mundo desconhecido, e não creio sequer que esse mundo já exista para me receber.

[...]

    O preço da Liberdade é uma certa solidão.

[...]

    Por que escrevo nesta língua que Portugal atrasou como um relógio?
    Atrasar uma língua é torná-la inexpressiva.

[...]

    Por que é que não sinto mais amor por quase nenhum dos seres humanos que me rodeiam? Amaria, talvez, um segundo ser que se veria, em filigrana, por detrás. O remorso deste sentimento me faz retomar a palavra remorso que, finalmente, acho bela. Terá ela uma relação subtil com o segundo? Devo reflectir com o Augusto sobre isto, tão complicado para mim. Há, no entanto, indícios que me comovem, espalhados por toda a parte. Pouco a pouco, as minhas casas, jardins, tornam-se feixes de indícios espalhados. Por mim reunidos. Sinto-me, há uns tempos, uma verdadeira mulher de areia. A sede, a extensão desértica, o amor pela noite refrescante, os pensamentos desligados uns dos outros, mas livres como grãos de areia. Num oásis do deserto há o sofrimento angustiante que me espera, a face com máscara.

[...]

    Procuro não perder o som das vozes que me ocorrem porque nada é mais triste do que o lugar vazio deixado por um texto perdido.

Maria Gabriela Llansol
in, NUMEROSAS LINHAS
Livro de Horas III
Assírio & Alvim








 


A rosa do mundo

 Quem sonhou que a beleza passa como um sonho?
Por estes lábios vermelhos, com todo o seu magoado orgulho,
Tão magoados que nem o prodígio os pode alcançar,
Tróia desvaneceu-se em alta chama fúnebre,
E morreram os filhos de Usna.

Nós passamos e passa o trabalho do mundo:
Entre humanas almas, que se agitam e quebram
Como as pálidas águas em seu fluxo invernal,
Sob as estrelas que passam, sob a espuma do céu,
Vive este solitário rosto.

Inclinai-vos, arcanjos, em vossa incerta morada:
Antes de vós, ou de qualquer palpitante coração,
Fatigado e gentil alguém esperava junto ao seu trono;
Ele fez do mundo um caminho de erva
Para os seus errantes pés.

Mulher vendaval

mulher vendaval

retomas 
lentamente
o folêgo
a distância 

compões 
o cabelo
em desalinho
solta-se a máscara

sobra 
a humidade 
do teu olhar
último vestígio

apenas eu
percebo
porque estremeces
e me arrepio

no teu corpo
que se distende
o suor frio
brusca
memória de aconchego 

decifro
na tua boca
fragmentos de palavras
pontes em ruínas 
interjeições

destroços 
encenação de um fim
mulher inacessível
a salvo 
do temporal

já te esqueceste
da festa
de mim
no entanto és tu tudo
o que me resta

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira

Zbigniew Preisner -- Love at First Sight (English Subtitle)

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Ciclo


O lençol de água



Um lençol de água
na Estrada da Luz
nuances de óleo e néon
maquilham
seu rosto 
que se acende e apaga
no esboço
fugaz da penumbra
da paragem
faltam dois minutos
para o 726
volta a agitar-se
de súbito
ficou completamente
molhada
um automóvel
que passou
sobre ela projectou
o lençol de água.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira