"As palavras de uma boa prosa significam o que elas dizem. As palavras de uma boa poesia significam o que elas não dizem."
G. K. Chesterton
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
SOLITUDE
SOLITUDE
by Frederico Pedreira in Poesia, Livros, Divulgação
Hoje é a grande noite do Joe, com uma leitura pública
o seu trabalho será finalmente reconhecido.
Tem vinte e três anos e várias vezes já se lembraram
do seu nome para uma residência artística.
o seu trabalho será finalmente reconhecido.
Tem vinte e três anos e várias vezes já se lembraram
do seu nome para uma residência artística.
Lizzie, a melhor do curso de escrita criativa,
também vai lá estar com a nova namorada,
o seu cabelo negro lampeja para toda a gente, parece um
corvo desaustinado quando entra em clubes literários.
também vai lá estar com a nova namorada,
o seu cabelo negro lampeja para toda a gente, parece um
corvo desaustinado quando entra em clubes literários.
Até Bonnie, a gigante americana, foi convidada,
e já acabava de se vestir no seu quarto
quando se lembrou, sem omitir um sorriso,
que ainda ontem à noite lhe ocorrera o suicídio,
numa mão um copo de barbitúricos,
na outra um livro manuseado.
e já acabava de se vestir no seu quarto
quando se lembrou, sem omitir um sorriso,
que ainda ontem à noite lhe ocorrera o suicídio,
numa mão um copo de barbitúricos,
na outra um livro manuseado.
As luzes do dormitório apagam-se, uma a uma
desaparecem as paredes de contraplacado
pejadas de recortes da Norton Anthology of Poetry
e de frases que dissecam a morte da filosofia.
Os amigos vão juntos até Hampstead ver o Joe,
onde dizem que tudo realmente acontece.
desaparecem as paredes de contraplacado
pejadas de recortes da Norton Anthology of Poetry
e de frases que dissecam a morte da filosofia.
Os amigos vão juntos até Hampstead ver o Joe,
onde dizem que tudo realmente acontece.
Colocam gravatas uns nos outros, em casa juntam
todo o álcool que conseguem, sentem o peso
de cada uma das frases antes de partirem no comboio.
Da janela ainda vejo estes poetas a mijarem com vontade
sobre as roseiras, um fumo místico levanta-se
logo onde começa a propriedade privada.
todo o álcool que conseguem, sentem o peso
de cada uma das frases antes de partirem no comboio.
Da janela ainda vejo estes poetas a mijarem com vontade
sobre as roseiras, um fumo místico levanta-se
logo onde começa a propriedade privada.
Dou uma volta completa à cozinha comum,
largo um esgar indisposto para o lado,
inspecciono a carpete onde esmagaram beatas,
invoco os meus colegas para os detestar um a um.
largo um esgar indisposto para o lado,
inspecciono a carpete onde esmagaram beatas,
invoco os meus colegas para os detestar um a um.
É então que os olhos brilham e subo à mesa
onde se projeta a minha glória infinita.
Digo as palavras que só eu imagino ouvir:
«nesta noite tão especial, não consigo dizer
como vos estou agradecido por se terem
esquecido aqui de todas as bebidas.»
onde se projeta a minha glória infinita.
Digo as palavras que só eu imagino ouvir:
«nesta noite tão especial, não consigo dizer
como vos estou agradecido por se terem
esquecido aqui de todas as bebidas.»
De Doze Passos Atrás, Artefacto, 2013.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Soneto dos Vinte Anos
Que o tempo passe, vendo-me ficar
no lugar em que estou, sentindo a vida
nascer em mim, sempre desconhecida
de mim, que a procurei sem a encontrar.
no lugar em que estou, sentindo a vida
nascer em mim, sempre desconhecida
de mim, que a procurei sem a encontrar.
Passem rios, estrelas, que o passar
é ficar sempre, mesmo se é esquecida
a dor de ao vento vê-los na descida
para a morte sem fim que os quer tragar.
é ficar sempre, mesmo se é esquecida
a dor de ao vento vê-los na descida
para a morte sem fim que os quer tragar.
Que eu mesmo, sendo humano, também passe
mas que não morra nunca este momento
em que eu me fiz de amor e de ventura.
mas que não morra nunca este momento
em que eu me fiz de amor e de ventura.
Fez-me a vida talvez para que amasse
e eu a fiz, entre o sonho e o pensamento,
trazendo a aurora para a noite escura.
e eu a fiz, entre o sonho e o pensamento,
trazendo a aurora para a noite escura.
Fazer o amor
Pela minha parte, experimentava, para além do prazer físico e absolutamente real que me proporcionava o amor, uma espécie de prazer intelectual ao reflectir sobre ele. As palavras «fazer amor» possuem uma sedução própria, muito verbal, quando isoladas do seu sentido. O verbo «fazer», material e positivo, unido à abstracção poética da palavra «amor», encantava-me, embora sempre me tivesse referido anteriormente a esta expressão sem o mínimo pudor e sem me dar conta do seu sabor.
Françoise Sagan, Bom dia Tristeza
Françoise Sagan, Bom dia Tristeza
O POEMA
O poema é um exercício de dissidência, uma profissão de incredulidade na omnipotência do visíveis, do estável, do apreendido. O poema é uma forma de apostasia. Não há poema verdadeiro que não torne o sujeito um foragido. O poema obriga a pernoitar na solidão dos bosques, em campos nevados, por orlas intactas. Que outra verdade existe no mundo para lá daquela que não pertence a este mundo? O poema não busca o inexprimível: não há piedoso que, na agitação da sua piedade, não o procure. O poema devolve o inexprimível. O poema não alcança aquela pureza que fascina o mundo. O poema abraça precisamente aquela impureza que o mundo repudia.
José Tolentino de Mendonça
Nas fotografias...
Nas fotografias mais antigas
ainda uso óculos: memória
das lentes riscadas e paninhos
de flanela. Um dia as dioptrias
desapareceram («óptimo», disse
o oftalmologista) e fiquei a ver
melhor ao longe – mas não tão
longe que consiga alcançar, hoje,
o que via quando as hastes me
magoavam atrás das orelhas.
José Mário Silva, Luz Indecisa
ainda uso óculos: memória
das lentes riscadas e paninhos
de flanela. Um dia as dioptrias
desapareceram («óptimo», disse
o oftalmologista) e fiquei a ver
melhor ao longe – mas não tão
longe que consiga alcançar, hoje,
o que via quando as hastes me
magoavam atrás das orelhas.
José Mário Silva, Luz Indecisa
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