sábado, 1 de fevereiro de 2014

Adivinha I

 

o que é que me corrói as mãos
e ilumina teu rosto no itinerário
sinuoso do seu silêncio?

as tuas lágrimas

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira

Porque voam os homens...

Porque é que alguns homens voam e outros não?
Porque a uns lhe cortaram as asas e outros dão asas à imaginação.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira

A lua está mais fria...

a lua está mais fria
e parece-me um pouco pálida
tem fases
de bipolaridade
que se acentuaram
com o divórcio dos poetas
e com a prolongada ausência
dos astronautas

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

PEQUEÑO NOCTURNO



¿Ese temblor que pasa es la vida?
¿Y ante qué soledad es que hoy canto?

No sé de dónde provienen esos ruidos que en la noche asustan:
la caja de fósforos
las cosas que se cambian de lugar y no aparecen.

Suponemos que todo esto es el mundo
enormes colecciones de tristezas, llaveros y estampillas de mares lejanos.

Es acá donde sucedo
sin aduanas ni requisas
ni adioses a destiempo.

Un poco de hambre
y el cansancio de llenar la estantería de ausencias.


Excerto do Grande Gatsby

"Se a personalidade é uma série de gestos bem sucedidos, havia algo de grandioso nele, uma brilhante sensibilidade às promessas da vida, como se ele fosse parente de uma dessas máquinas intrincadas que registram terremotos a dezesseis mil quilômetros de distância. Essa receptividade não tinha nada a ver com aquela débil impressionabilidade dignificada sob o nome de “temperamento criativo” – era um dom extraordinário para a esperança, uma prontidão romântica que jamais encontrei em outra pessoa e que provavelmente jamais encontrarei."

O Grande Gatsby

Sentado próximo...


Sentado próximo de um cadáver,
como uma perna de galinha

As carnes muito brancas,
os olhos muito abertos,
a língua dura e roxa,
o céu da boca azul:
não parece já, apetecer-lhe almoço

Passei à sobremesa,
em óptima melancia enterro o meu dente;
com a língua dou um estalo
o sabor é excelente

Daquele corpo pútrido,
o cheiro já mal aguento;
cuspo uma pevide,
acerto-lhe no ventre

Ainda estou para entender,
da morte, esta alquimia:
quando a sento à minha mesa,
a galinha sabe a faisão
e a melancia duplamente a melancia

em Sião, organização e notas de Al Berto, Paulo da Costa Domingos e Rui Baião, Lisboa: Frenesi, 1985, p. 2001.

Na cervejaria com Ruy Belo

Mas quando Maria se encaminhou para o balcão, descobriu que diante de um acampamento de canecas de cerveja havia um vulto. Não se podia ver da entrada porque estava encoberto por uma coluna de lagostas vivas dispostas numa vitrina quase até ao tecto.

Maria sentou-se ao balcão no sítio onde acabava o estendal de canecas vazias e pousou a malinha e os óculos de sol no banco ao lado. O vulto lia A Bola apoiado numa cerveja a florir de espuma. Era um indivíduo louro e encorpado, um tanto para o gordo; cabeça à meia calva, salpicada dum orvalho que era o transpirar da fresca e esfuziante bebida matinal; mãos mimosas embora sólidas, de anjo camponês (se é que há disso, anjos camponeses). Maria viria a saber que estava na presença do poeta Ruy Belo que só conhecia pelo lido

Como era de esperar, o poeta Ruy Belo ao vivo e em tal e qual não tinha nada que fizesse supor o dos versos. Bebia cavalarmente (coisa que não constava por escrito) pois já tinha com ele uns largos litros de cerveja e ainda a manhã ia no princípio. Lia A Bola com a devoção de quem lia o Plutarco, ao mesmo tempo que mastigava de maneira truculenta tremoços apanhados ao acaso e até migalhas deixadas no balcão sabe-se lá por quem.


José Cardoso Pires