terça-feira, 28 de janeiro de 2014

El silencio

Poema El silencio

de José Emilio Pacheco, poeta mexicano que morreu ontem 27 de Janeiro de 2014



La silenciosa noche. Aquí en el bosque
no distingo rumores, no, de ninguna especie.
Los gusanos trabajan.
Los pájaros de presa hacen lo suyo
(seguramente).
Pero no escucho nada.
Sólo el silencio que da miedo. Tan raro,
tan raro, tan escaso se ha vuelto en este mundo
que ya nadie se acuerda como suena,
ya nadie quiere
estar consigo mismo un instante.
Mañana
dejaremos de nuevo la verdadera vida para
mañana.
No asco de ser ni pesadumbre de estar vivo:
extrañeza de hallarse aquí y ahora en esta hora tan muda.
Silencio en este bosque, en esta casa
a la mitad del bosque.
¿Se habrá acabado el mundo?

São 7h30 da manhã...

São 7h30 da manhã
passo junto ao novo circuito de manutenção
de Alfornelos
sentado no banco dos abdominais
um homem de meio idade
a pensar na vida
em frente 
o Cemitério de Benfica.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014 
Carlos Vieira

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Devia ter sete anos...

Devia ter sete anos
de vez em quando
agarrava-me às grades
e espreitava os bichos,
a única diferença
para aqueles é que 
para eles não era só
de vez em quando.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2014


Carlos Vieira

Sempre me intrigou...

Sempre me intrigou
a competência
com que os elefantes escolhiam
moedas escuras e as claras
e não houvesse pelo menos um
que reagisse em contracorrente
que ao tocar o sino 
quebrasse o ciclo 
ultrapassando o fosso da pobreza.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira



Naquele tempo...

Naquele tempo
saíam com os elefantes
e iam passear à noite
em fila indiana
na Estrada de Benfica
não sei o que mais
me espantava
se a admirável grandeza
dos animais
dos tratadores
ou a estranheza
da sua marcha tranquila
pela cidade.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2014


Carlos Vieira

Olho...

Olho 
para a minha infância
na Travessa das Águas Boas
e recordo-me 
de uma girafa a mascar
e por cima da sebe
observando divertida
as nossa brincadeiras.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira



Palavras para que vos querem



as palavras erguem-se 
pesadas
sobre o ruído mecânico 
das ruas
reconheço-as
pela acústica vibrante 
das suas asas
pousadas nos candeeiros 
à espera da luz, 
nos sinais de trânsito 
de mão estendida 
nos semáforos, 
palavras bichos 
que sobem pelas árvores
pelas varandas 
e pelas esplanadas,
apertadas 
em escadas antigas 
mal iluminadas,
cuspidas 
com sangue 
e vómito e imprecações
mal amadas,
curtas
atingidas por punhos 
e bofetadas
em murmúrios de misérias 
envergonhadas 
ou em gritos violentos 
de amores reencontrados,
suburbanas
atiradas 
como quem rosna
e roubadas
à tristeza,
palavras de alivío
de desencanto, 
libertas 
das garras do silêncio,
esquecidas 
em grutas
pedras preciosas 
nunca usadas,
palavras de usar
e deitar fora
fora de horas,
penduradas 
de andaime em andaime,
em roldanas 
retiradas de poços,
do eco dos claustros,
palavras arrancadas 
de dentro de si próprio 
para serem flores 
ensanguentadas, 
provas de um amor 
que não se soube dizer
presas à garganta,
aves 
que lhe devoram
o peito, 
palavras gravadas 
a ferro e fogo,
nos corredores do tempo
de silêncio
da descoberta,
incineradas,
cujas cinzas 
não conheceram ventos,
caladas para lá 
dos portões da vergonha,
onde o trabalho liberta.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira