segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

SILÊNCIO



Uma noite,
quando o mundo já era muito triste,
veio um pássaro da chuva e entrou no
teu peito,
e aí, como um queixume,
ouviu-se essa voz de dor que já era a tua
voz,
como um metal fino,
uma lâmina no coração dos pássaros.
Agora,
nem o vento move as cortinas desta casa.
O silêncio é como uma pedra imensa,
encostada à garganta.


José Agostinho Baptista

I classici dell'arte si animano con la magia del digitale

domingo, 26 de janeiro de 2014

Anjo desumano

anjo desumano

ali sentado 
no banco 
o anjo
da estação central
parte ou abraça 
com o olhar cruel
o comboio 
que sai 
ou que chega
quer lá saber
do viajante
que passa
traz a mala 
e o coração vazios
asas avariadas
sem destino
e lugar marcado
em equipamentos
coletivos
e mobiliário urbano
anjo caído do céu
desempregado
ébrio
morre de fome
e solidão 
que já foi divino
e deixou 
de ser humano.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira


Diz Toda a Verdade


Diz toda a Verdade mas di-la tendenciosamente - 
O êxito está no Circuito 
É demasiado brilhante para o nosso enfermo Prazer 
A esplêndida surpresa da Verdade 

Como o Relâmpago se torna mais fácil para as Crianças 
Com uma amável explicação 
A Verdade deve ofuscar gradualmente 
Ou cada homem ficará cego - 

Emily Dickinson, in "Poemas e Cartas" 
Tradução de Nuno Júdice



Ódio ao corpo...

Ódio ao corpo, andam esses a dizer há dois mil anos, como se neste curto lapso de tempo da história do homem só devesse haver fantasmas descarnados. Ódio ao corpo, o teu e o meu, disfarçado em tarefas vis e loas absurdas, cobardias pequeninas. Nada disso é gente e eu gosto de estar com gente (falo de corpos), um enchimento de gente à roda, compacta, onde recebemos e damos, estamos e lutamos, sofremos em comum e gozamos. Onde tudo de nós é ampliado, revigorado, e medido pelo colectivo, pelos outros - espelho e limite, cadeia e espaço imenso, liberdade e nossa conquista.

Luís Pacheco, Comunidade

Morte em veneza


De muitas coisas se pode morrer
em Veneza
De velhice de susto
de peste

ou de beleza


Jorge Sousa Braga, Poemas com Cinema

No relógio...

No relógio da estação
o comboio chega sempre atrasado
à avidez do teu beijo.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014


Carlos Vieira