domingo, 26 de janeiro de 2014

Cara ou coroa!



" - É cara ou coroa!"
A moeda de um euro
subiu, brilhou e caiu,
por coincidência
desapareceu
num buraco
de toupeira
que ao ver 
a moeda,
não se sabe 
com cara ficou
e fará dela agora
coroa da sua pobreza.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Assoam-se-me...

Assoam-se-me à alma, quem
como eu traz desfraldado o coração
sabe o que querem
dizer estas palavras.
A pele serve de céu ao coração.


Luís Miguel Nava

Uma tangente voltaica...

Uma tangente voltaica.
Porque o martelo
é uma entoação
sobre o fogo.

plataforma logística

plataforma logística

escrever um 
poema como se trabalhasse
numa plataforma 
as gruas a estenderem os seus 
grandes braços de um amor excessivo
os estivadores de fatos de macaco azul
mantidos a alguma distância
nada de sermos contaminados pelo trabalho
depositamos os contentores 
como se fossem estrofes sobrepostas
e olhamos para eles brancos, azuis e amarelo torrado
carregados de substância
prenhes de distância
a tresandarem do nosso enorme ego
depois com as luvas e as máscaras
e botas cardadas introduzimos-nos na realidade
sentimos o seu cheiro nauseabundo
vamos acompanhar os técnicos 
na verificaçao de alguns poemas 
que não cumprem as cerificações
se estão dentro do prazo de validade
sobretudo aqueles 
que são feitos com produtos perecíveis
o amor, a solidão, a infância
não aguentam muito
a seguir com o monta cargas
em silêncio desviamos paletes
de versos que se vendem com mais facilidade
no mercado paralelo
gosto deste movimento das palavras
menos escolhidas
de português vernáculo
e da poesia 
a cheirar óleo queimado e peixe podre 
a um gesto sucinto 
de amor sem abrigo
que coincide com madrugada 
que irrompe entre os silos e a maré vazia 
e a última ronda da noite

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira


O pórtico das pequenas vergonhas



Cá estou eu outra vez,
descalço,
o mais próximo da humanidade
sem amor
como agora se usa,
por culpa do detector de metal
com quem mantenho
uma relação muito próxima,
fruto dos meus nervos de aço
e do polietileno
da minha perna,
de novo sujeito 
a revista pessoal,
a essa atenção desmesurada
e que não mereço,
as calças sem cinto 
caindo-me pernas abaixo,
tudo muito profissional
muito transparente
à vista de todos,
espero que não fiquem
muito mais tempo,
aí embasbacados
chocados com o amarelo
vislumbrado
das minhas cuecas
ou com o dedo grande do pé,
a espreitar 
a "meiita" rota,
no outro dia quase ia
mostrando as vergonhas.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

A Esperança de uma Relação Profunda


Conhecemos as pessoas durante anos, até mesmo dezenas de anos, habituamo-nos a evitar os problemas pessoais e os assuntos verdadeiramente importantes, mas guardamos a esperança de que, mais tarde, em circunstâncias mais favoráveis, se possam justamente abordar esses assuntos e esses problemas. A esperança, sempre adiada, de um relacionamento mais humano e mais completo nunca desaparece completamente, porque nenhuma relação humana se contenta com limites definitivos, restritos e rígidos. Permanece, portanto, a esperança, de que haja um dia uma relação «autêntica e profunda». E permanece durante anos, até mesmo décadas, até que um acontecimento definitivo e brutal (em geral, uma coisa como a morte) vem dizer-nos que é demasiado tarde, que essa «relação autêntica e profunda», cuja imagem tínhamos amado, também não existirá; não existirá, tal como as outras. 

Michel Houellebecq, in 'As Partículas Elementares'



Vamos morrer...

"Vamos morrer. Eles sabiam disso, e suas últimas palavras a suas famílias foram: ‘Eu amo vocês.’ Mesmo no sofrimento, suas últimas palavras foram de amor… Pessoas que poderiam ter se salvado e em vez disso correram de volta para salvar outros. Se a humanidade é capaz disso, como posso perder a esperança na humanidade?"

Ellie Wisel