segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Tu já me arrumaste...

Tu já me arrumaste no armário dos restos
eu já te guardei na gaveta dos corpos perdidos
e das nossas memórias começamos a varrer
as pequenas gotas de felicidade
que já fomos.
Mas no tempo subjectivo
tu és ainda o meu relógio de vento
a minha máquina aceleradora de sangue
e por quanto tempo ainda
as minhas mãos serão para ti
o nocturno passeio do gato no telhado?


Isabel Meyrelles

Penso à vezes...

«Penso às vezes que vale a pena morrer. Que fui muito pouco ditosa ou muito pouco jeitosa porque nunca soube arrumar a minha vida à feição do meu carácter. (...) Foi-se-me a idade dos contentamentos fáceis e das ilusões (...)»
Solidão II - Irene Lisboa

Histórias à volta do pinhal



I
Perdeu-se no pinhal
que cresceu dentro de si
de que servem o ódio e o rancor?

II
Uma ferida escancarada uma vida inteira
na vertical, a verter a verdade
resina do tédio e da solidão.

III
O seu coração
é uma pinha escancarada
de onde levaram todo o pinhão.

IV
Sempre a voar tão alto
deixou de saber andar na terra
as estrelas nunca vão deixar de ser a tentação.

V
Sinto um perfume que me liberta
e que a brisa trás, serão “flores de verde pinho”?
desconfio que serão urze e tojo.

VI
Sempre este dilema
de escolher a árvore
e de me perder na floresta.

VII
Sempre foi grande a minha admiração
por histórias com musgo
contadas por insectos.

VIII
O cerne
é uma palavra que me impressiona
que me intimida, algumas questões nem tanto.

IX
Das carrascas do pinheiro
inventou barcos, aviões, castelos
depois vieram os carrascos e fornicaram tudo.

X
O Pinhal de Leiria,
com o qual escreveu das mais belas páginas
da sua já longa história e nunca foi navegador.

Lisboa, 20 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira



                                                "Pine Forrest", foto de Maion Body-Evans

domingo, 19 de janeiro de 2014

Mais um desencontro



Viu-a subir a escada 
agarrada ao corrimão 
a seguir desce um homem 
agarrado a ela
tu és outro homem estátua 
sentado na Brasileira
podia pertencer
a esta história
aquela flor pisada.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira



Conto as pedras...

Conto as pedras 
da calçada portuguesa, contos
de um país de arestas vivas a preto e branco

Lisboa, 19 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

De súbito...

De súbito um raio
ou um tigre que pressente 
próxima a monção.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Um grão...

Um grão de pimenta preta
no cérebro do pintor
cerca-o de uma paisagem exótica.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira