segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Talvez

Leio histórias e parábolas budistas.

TALVEZ.

Uma fala de um fazendeiro que acorda e descobre que seu cavalo fugiu.
Os vizinhos vêm e dizem:
-Que pena. Que azar terrível!
O fazendeiro responde:
-Talvez.
No dia seguinte, o cavalo retorna com mais alguns cavalos. Os vizinhos dão os parabéns ao fazendeiro pela mudança na sorte.
-Talvez - diz o fazendeiro.
Quando seu filho tenta montar um dos cavalos novos, quebra a perna, e os vizinhos se condoem.
-Talvez - diz o fazendeiro.
E no dia seguinte, quando autoridades vêm alistar o filho - e não o levam por causa da perna quebrada - Todo mundo fica feliz.
-Talvez - diz o vizinho.

Já ouvi histórias assim antes. São lindas em sua simplicidade e entrega ao Universo. Imagino se eu poderia me apegar a algo de tamanho desapego. Não sei. Talvez.
Mitch Albom - Tenha um Pouco de Fé


Quando leio, alguém pensa por mim

Quando leio, alguém pensa por mim
Quando escrevo, a minha mão pensa por mim.
Quando durmo não pergunto. Existo?
Existo e sei que não sou livre,
não posso enganar-me: estou num sonho.

Eeva-Liisa Manner (Helsinski, Finlandia, 1921-1995)

O que eu acho extraordinário...

"O que eu acho extraordinário é que as pessoas não tinham nada, eram pobres, mas lançavam-se para a aventura da vida comum com uma esperança e uma profundidade incalculáveis; não tinham medo de nada, de partilhar afectos ou dois cacos, de contar as migalhas da incerteza permanente ou de abreviar os remorsos depois das lágrimas".


- MANUEL DA SILVA RAMOS, Pai, levanta-te, vem fazer-me um fato de canela!, 2013 (Realejos mágicos).

Tu já me arrumaste...

Tu já me arrumaste no armário dos restos
eu já te guardei na gaveta dos corpos perdidos
e das nossas memórias começamos a varrer
as pequenas gotas de felicidade
que já fomos.
Mas no tempo subjectivo
tu és ainda o meu relógio de vento
a minha máquina aceleradora de sangue
e por quanto tempo ainda
as minhas mãos serão para ti
o nocturno passeio do gato no telhado?


Isabel Meyrelles

Penso à vezes...

«Penso às vezes que vale a pena morrer. Que fui muito pouco ditosa ou muito pouco jeitosa porque nunca soube arrumar a minha vida à feição do meu carácter. (...) Foi-se-me a idade dos contentamentos fáceis e das ilusões (...)»
Solidão II - Irene Lisboa

Histórias à volta do pinhal



I
Perdeu-se no pinhal
que cresceu dentro de si
de que servem o ódio e o rancor?

II
Uma ferida escancarada uma vida inteira
na vertical, a verter a verdade
resina do tédio e da solidão.

III
O seu coração
é uma pinha escancarada
de onde levaram todo o pinhão.

IV
Sempre a voar tão alto
deixou de saber andar na terra
as estrelas nunca vão deixar de ser a tentação.

V
Sinto um perfume que me liberta
e que a brisa trás, serão “flores de verde pinho”?
desconfio que serão urze e tojo.

VI
Sempre este dilema
de escolher a árvore
e de me perder na floresta.

VII
Sempre foi grande a minha admiração
por histórias com musgo
contadas por insectos.

VIII
O cerne
é uma palavra que me impressiona
que me intimida, algumas questões nem tanto.

IX
Das carrascas do pinheiro
inventou barcos, aviões, castelos
depois vieram os carrascos e fornicaram tudo.

X
O Pinhal de Leiria,
com o qual escreveu das mais belas páginas
da sua já longa história e nunca foi navegador.

Lisboa, 20 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira



                                                "Pine Forrest", foto de Maion Body-Evans

domingo, 19 de janeiro de 2014

Mais um desencontro



Viu-a subir a escada 
agarrada ao corrimão 
a seguir desce um homem 
agarrado a ela
tu és outro homem estátua 
sentado na Brasileira
podia pertencer
a esta história
aquela flor pisada.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira