sábado, 18 de janeiro de 2014

MISS CURTIS





cada um escolhe o que fazer com a
sua sombra. Jenna foi encontrada pendurada numa
árvore de espécie não identificada na notícia
de jornal. foi o décimo sétimo caso em poucos meses,
numa pequena vila onde a adolescência
custa tanto a passar como em todos as outras.
os mecanismos da imitação podem explicar
o método, mas não mais essa rendição
incondicional antes do início das batalhas.
à sombra desse exército deitam-se
jovens adultos em mantas nos dias de verão.
nada disto faz sentido para nós, os mais lentos,
as desculpas de quem tem pressa em perder.

[The Times, 20.02.2010]
 
 

Grandmother



my grandmother
doesn’t know pain
she believes that
famine is nutrition
poverty is wealth
thirst is water
her body like a grapevine winding around a walking stick
her hair bees’ wings
she swallows the sun-speckles of pills
and calls the internet the telephone to america
her heart has turned into a rose the only thing you can do
is smell it
pressing yourself to her chest
there’s nothing else you can do with it
only a rose
her arms like stork’s legs
red sticks
and i am on my knees
howling like a wolf
at the white moon of your skull
grandmother
i’m telling you it’s not pain
just the embrace of a very strong god
one with an unshaven cheek that prickles when he kisses you. 

Avó

A minha avó
não conhece a dor
ela acredita que
a fome é nutritiva
a pobreza é riqueza
a sede é água
o seu corpo como uma vinha enredada numa bengala
os seus olhos asas de abelha
ela engole os comprimidos em forma de sóis
e chama à internet o telefone para a américa
o seu coração transformou-se em rosa e a única coisa a fazer
é cheirá-la
encostando-o junto ao seu peito
não há nada mais a fazer com ele
apenas uma rosa
os seus braços como pernas de cegonha
paus vermelhos
e eu de joelhos
uivando como um lobo
à luz branca da tua caveira
avó
eu digo-te que não é dor
só o abraço de uma deus muito forte
um com barba por fazer, que arranha quando te beija.

Valzhyna Mort

Surf



O poeta
na crista da onda
irrompe
do espelho côncavo
da água
é a miríade
no reflexo do sal
em equilíbrio
sobre a prancha
do poema
quase submerso
na espuma da poesia.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira

                                                         Foto de autor desconhecido

Três pequenas parábolas para os meus amigos poetas

Stanley Kunitz

Três pequenas parábolas para os meus amigos poetas



1
Certas espécies de sáurios, especialmente os lagartos, são capazes de largar as suas caudas como forma de auto-defesa quando se sentem ameaçadas. O apêndice separado, assumindo uma vida própria e remexendo-se furiosamente, desvia a atenção para si. Tão depressa como o gato-bravo lança as garras sobre a cauda que se agita, prendendo-a na areia para a abocanhar e esmagar, assim o lagarto livre escapa apressadamente. E uma nova cauda começa a crescer no lugar daquela que foi sacrificada.


2
A larva do escaravelho-tartaruga tem o excelente hábito de recolher os seus excrementos e restos de pele dentro de uma bolsa que carrega às costas quando avança em campo aberto. Se não fosse esse escudo fecal apareceria nu diante dos seus inimigos.


3
Entre os Beduínos, os poetas-pedintes do deserto são vistos com desprezo por causa da ganância, da habilidade para roubar e da sua venalidade. Nos diversos acampamentos toda a gente sabe que os poemas de louvor podem ser comprados, mesmo pelos piores canalhas, com comida ou dinheiro. Além disso, estes bardos vagabundos são conhecidos por roubarem ideias, versos e mesmo canções completas a outros. Muitas vezes a sua recitação é interrompida pelos gritos dos homens agachados em volta das fogueiras: "Farsantes. Roubastes isso deste e daquele!" Quando o poeta tenta defender-se, recorrendo a testemunhas que comprovem a sua honradez ou, em casos extremos, apelando a Alá, os seus ouvintes apupam-no, gritando, "Kassad, kaddad! Um poeta é um mentiroso."



(Versão do Blog Trapèzio Sem Rede; original reproduzido em The collected poems, W.W. Norton & Company, Nova Iorque/Londres, 2002, pp. 234-235).

Muriel Rukeyser reads In Our Time



Na nossa época dizem que há liberdade de expressão.
Dizem que não há castigo para os poetas,
não há castigo por se escrever poemas.
Isto é o que dizem. Este é o castigo.

We are against the war


Aqui há gato




Vejo o gato amarelo
que puxa os estores
e se senta à janela,
observa embevecido
a cofiar os bigodes,
sorrindo sarcástico
para os transeuntes
que estão presos,
ao guarda chuva
à direção do vento,
tiritando de frio
ignoram que existe
um gato amarelo,
omnipotente,
a olhar para eles.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira




                                      Paris Through the Window. by Marc Chagall (1887-1985). Oil on canvas. 1913.