sábado, 18 de janeiro de 2014
Quando o Meu Amor Vem Ter Comigo
quando o meu amor vem ter comigo é
um pouco como música,um
pouco mais como uma cor curvando-se(por exemplo
laranja)
contra o silêncio,ou a escuridão....
a vinda do meu amor emite
um maravilhoso odor no meu pensamento,
devias ver quando a encontro
como a minha menor pulsação se torna menos.
E então toda a beleza dela é um torno
cujos quietos lábios me assassinam subitamente,
mas do meu cadáver a ferramenta o sorriso dela faz algo
subitamente luminoso e preciso
—e então somos Eu e Ela....
o que é isso que o realejo toca
E. E. Cummings, in "livrodepoemas"
Tradução de Cecília Rego Pinheiro
MAMOGRAFIA DE MÁRMORE
Deliciam-me as palavras
dos relatórios médicos, os nomes cheios
de saber oculto e míticos lugares
como a região sacro-lombar ou o tendão de Aquiles.
Numa mamografia de rastreio,
a incidência crânio-caudal seria
um bom título para uma tese teológica.
Alguns poetas falam disso. Pneumotórax
de Manuel Bandeira ou Electrocardiograma
de Nemésio, para não referir os vermelhos de hemoptise
de Pessanha ou as engomadeiras tísicas
de Cesário.
Mas nenhum(a) falou (ou fala)
de mamografia de rastreio. Versos dignos
só os de mamilo róseo desde o tempo
de Safo ou de Penélope. E, de Afrodite
enquanto deusa, só restaram óleos e
mamografias de mármore.
Inês Lourenço no Poesia Ilimitada
Inês Lourenço no Poesia Ilimitada
Elogio dos sonhos
Nos sonhos
pinto como Vermeer Van Delft.
Falo grego com fluência
e não apenas com os vivos.
Conduzo um automóvel
que me é obediente.
Sou hábil,
escrevo grandes poemas.
Escuto vozes
tão bem como os santos mais austeros.
Ficaríeis admirados
da perfeição com que toco piano.
Consigo voar como devia ser,
isto é, eu de mim própria.
Ao cair de um telhado
sei como descer levemente na verdura.
Não tenho problemas
em respirar debaixo de água.
Não me lamento:
consegui descobrir a Atlântida.
Fico contente porque, antes de morrer,
consigo acordar sempre.
A guerra a rebentar
e eu a virar-me para o melhor lado.
Sou, sem ter porém
que o ser, filho da época.
Aqui há alguns anos
vi dois sóis.
E, antes de ontem, um pinguim,
ali, muito nítido, ao pé de mim.
Wislawa Szymborska
in PAISAGEM COM GRÃO DE AREIA, trd. de Júlio Sousa Gomes,RELÓGIO D'ÁGUA, Lisboa 1998, pág. 133 e 135.
pinto como Vermeer Van Delft.
Falo grego com fluência
e não apenas com os vivos.
Conduzo um automóvel
que me é obediente.
Sou hábil,
escrevo grandes poemas.
Escuto vozes
tão bem como os santos mais austeros.
Ficaríeis admirados
da perfeição com que toco piano.
Consigo voar como devia ser,
isto é, eu de mim própria.
Ao cair de um telhado
sei como descer levemente na verdura.
Não tenho problemas
em respirar debaixo de água.
Não me lamento:
consegui descobrir a Atlântida.
Fico contente porque, antes de morrer,
consigo acordar sempre.
A guerra a rebentar
e eu a virar-me para o melhor lado.
Sou, sem ter porém
que o ser, filho da época.
Aqui há alguns anos
vi dois sóis.
E, antes de ontem, um pinguim,
ali, muito nítido, ao pé de mim.
Wislawa Szymborska
in PAISAGEM COM GRÃO DE AREIA, trd. de Júlio Sousa Gomes,RELÓGIO D'ÁGUA, Lisboa 1998, pág. 133 e 135.
FORAM OS LIVROS...
Foram os livros, todos os livros que lemos, que nos ajudaram, através das palavras, a dar uma nova vida às coisas fazendo-as renascer. Bernadim mostrou que o rouxinol não era apenas um pássaro catalogado pela ornitologia. E muita da tristeza do seu canto foi escutada, séculos depois, por Florbela Espanca, Pela leitura aprendemos a gostar de relações delicadas e amplificadoras como a do rouxinol com a tristeza. Esta que cobre as suas penas. Ele que com o canto narra a sua alma. A tristeza que se expande no seu voo e se recolhe na palavra rouxinol. E a alegria do rouxinol (o canto) serve, paradoxalmente, para exprimir a nossa tristeza. Não é uma metáfora nem uma figura de estilo. É ainda uma maneira de compreender a vida a partir dos nomes. Uns simples, como o Melro, de Junqueiro, ou a Cerejeira, de Torga, outros enigmáticos como Raomomar, de António Maria Lisboa.
Manuel Hermínio Monteiro, Uma Rara Magia
Manuel Hermínio Monteiro, Uma Rara Magia
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