domingo, 12 de janeiro de 2014

Ao rubro



Senta-se à lareira, olha fixamente o fogo
que o consome vorazmente.

As labaredas lambem
os seus medíocres pensamentos
a sua política de terra queimada.

Por causa dos seus frágeis sentimentos
e a propósito de deuses foi colocado no Índex
do politicamente incorrecto
arde já no fogo eterno por a todos adorar.

Os seus olhos soltam agora faúlhas
pedras vivas
e tudo incendeia com o olhar.

Na sua boca as palavras
arrefecem a vida de uma qualquer Pompeia,
são uma torrente de lava que nos submerge.

A poesia é o fogo de artifício
num céu onde se imola.

Oferece-se ao sacrifício quotidiano 
de manter aceso o lume que lhe resta da sua vida, 
feita inferno,
incinerado vivo.

E acende o archote, 
o fogo fátuo da poesia
com a única pretensão, de alumiando, 
ser guia 
que o ajude no fogo cruzado 
da solidão.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Psyché a Eros


(Poema de Margarida Vale de Gato)


tanto tempo casta
tanto tempo apenas
admirada, nunca
amada, agora
presenças transparentes
me atendem
de dia impaciente
conto as horas
que impedem tua chegada

virás como sempre
trajando o manto
do homem invisível
de noite vens velar
o pranto previsível
promessas leves
que a dor é breve
preliminar do amor
que me atravessa

no reverso da língua
que lambe a mão
e sorve o leite
surde o azeite
que queima o dorso
do corpo ocre

o atirador
rechaça a corda
do arco terso
a flecha
corta.



Fica ao menos o tempo de um cigarro...

Fica ao menos o tempo de um cigarro, evita
comigo que este tempo ande. Lá fora
são as casas, vive gente à luz de um candeeiro,
o som que nos chega apagado pela distância
só denuncia o nosso silêncio interrompido.
Ajuda-me, faremos o inventário das coisas
menos úteis, mágoas na mágoa maior do tempo.
Fica, não te aproximes, nenhum dia
é menos sombrio, quando anoitecer vamos ver
as árvores cercando a casa.


Helder Moura Pereira

baixo-relevo com heróis (Nichita Stănescu)

Os jovens soldados foram postos na vitrine,
como quando foram encontrados com tiros na testa,
para ser vistos foram postos na vitrine,
fiéis aos seus últimos gestos,
perfil, arma, joelho, seus últimos gestos,
como quando levaram um tiro, sem saber, na testa
ou entre os ombros espadas mais finas
que o dedo de uma criança em direção à lua.
Atrás deles o quartel estava vazio,
cheirando a coturnos, cigarros pisados, janela fechada.
Nas malas de madeira que enchem o quartel,
as alças de ferro ainda balançam,
como as alças de ferro da lua ainda balançam
agora, antes de serem abertas
para se procurar por cartas e fotos envelhecidas
pelo tempo.
Os jovens soldados permanecem encerados,
seus rostos e armas, para brilhar,
encerados para brilhar, encerados
e sentados exatamente como no segundo
em que a vida se rompeu e a morte engoliu o segundo.
Permanecem assim, brilhando sempre,
e nós os respeitamos como a lua
que se levanta no meio da praça.
Para nós que temos a mesma idade que eles,
apesar de estarem há anos na vitrine,
para nós que os capturamos e passamos por eles,
e temos corações que batem, e memória,
memória fresca, fresca demais,
os jovens soldados foram postos na vitrine
imitando uns aos outros,
como se estivessem vivos.

I know...

“I know it’s tragic to be tender.
I know it’s dangerous to be kind.
I know it’s vicious to care.

Listen to me. I know what’s going to happen to you.
You don’t need a window, you need a fire escape.
You’ll need a skylight to get where you’re going.
I can’t tell you where."


Nicole Blackman

Silêncio


Assim como do fundo da música 
brota uma nota 
que enquanto vibra cresce e se adelgaça 
até que noutra música emudece, 
brota do fundo do silêncio 
outro silêncio, aguda torre, espada, 
e sobe e cresce e nos suspende 
e enquanto sobe caem 
recordações, esperanças, 
as pequenas mentiras e as grandes, 
e queremos gritar e na garganta 
o grito se desvanece: 
desembocamos no silêncio 
onde os silêncios emudecem. 

Octavio Paz, in "Liberdade sob Palavra" 
Tradução de Luis Pignatelli

People sometimes...

• People sometimes ask me about all of the science in my work, thinking it odd that I should wish to combine science and art, and assuming that I must have some inner pledge or outer maxim I follow. But the hardest job for me is trying to keep science out of my writing. We live in a world where amino acids, viruses, airfoils, and such are common ingredients in our daily sense of Nature. Not to write about Nature in its widest sense, because quasars or corpuscles are not "the proper realm of poetry," as a critic once said to me, is not only irresponsible and philistine, it bankrupts the experience of living, it ignores much of life's fascination and variety.