domingo, 12 de janeiro de 2014

O cacto III



Naquela hora, em que esteve contigo 
a lua surpreendeu-o, no entanto, para seres dama-da-noite
só a lua o permite.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira



"Dama-da-noite, flor-da-lua ou cacto-orquídea são os nomes populares de algumas plantas de floração noturna da família das cactáceas, entre elas as espécies Selenicereus sp., Hylocereus undatus e a Epiphyllum oxypetalum"

Floração peculiar da dama-da-noite, uma espécie de cacto, os seus botões desabrocham nos meses finais do Verão, mas cada flor permanece apenas aberta por uma noite.


O cacto II



Os cactos crescem no deserto
e na varanda, na sua alma
a voz acerada dos espinhos.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

O cacto I



O cacto é uma planta
que tem mais espinhos que flores
como algumas metáforas não tem cheiro.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Olga Orozco




Yo, Olga Orozco, desde tu corazón digo a todos que muero.
Amé la soledad, la heroica perduración de toda fe,
el ocio donde crecen animales extraños y plantas fabulosas,
la sombra de un gran tiempo que pasó entre misterios y entre alucinaciones,
y también el pequeño temblor de las bujías en el anochecer.
Mi historia está en mis manos y en las manos con que otros las tatuaron.
De mi estadía quedan las magias y los ritos,
Unas fechas gastadas por el soplo de un despiadado amor,
La humareda distante de la casa donde nunca estuvimos,
Y unos gestos dispersos entre los gestos de otros que no me conocieron.
Lo demás aún se cumple en el olvido,
Aún labra la desdicha en el rostro de aquella que se buscaba en mí
igual que en un espejo de sonrientes praderas,
y a la que tú verás extrañamente ajena:
mi propia aparecida condenada a mi forma de este mundo.

Ella hubiera querido guardarme en el desdén o en el orgullo,
en un último instante fulmíneo como un rayo,
no en el tumulto incierto donde alzo todavía la voz ronca y llorada
entre los remolinos de tu corazón.
No. Esta muerte no tiene descanso ni grandeza.
No puedo estar mirándola por primera vez durante tanto tiempo.
Pero debo seguir muriendo hasta tu muerte
porque soy tu testigo ante una ley más honda y más oscura
que los cambiantes sueños, allá, donde escribimos la sentencia:
"Ellos han muerto ya.
Se habían elegido por castigo y perdón, por cielo y por infierno.
Son ahora una mancha de humedad en las paredes del primer aposento".



Olga Orozco

Excerto do Livro Negro

"Rüya estava deitada de bruços na cama, perdida na suave e quente penumbra, coberta pelas muitas dobras e ondulações da colcha quadriculada de um azul delicado. Do lado de fora, elevavam-se os primeiros sons da manhã de inverno: o ronco de um carro de passagem, o clangor de um velho ônibus, o estrépito das panelas de cobre que o fabricante de salep compartilhava com o doceiro na calçada, o apito do guarda encarregado do bom funcionamento do ponto dos dolmus¸ os táxis coletivos. Uma luz fria e plúmbea infiltrava se pelas cortinas de um azul escuro. Ainda zonzo de sono, Galip contemplava a cabeça de sua mulher, que emergia da colcha quadriculada: o queixo de Rüya se enterrava no travesseiro de plumas. A maneira como ela reclinava a fronte tinha algo de irreal, despertando em Galip uma grande curiosidade pelas visões maravilhosas que se desenrolariam na sua mente, ao mesmo tempo em que lhe inspirava medo. A memória, escrevera Celâl numa de suas crônicas, é um jardim. "Os jardins de Rüya, os jardins de Rüya...", pensara então Galip. "Não pense, não pense neles, vai ficar roído de desejo!" Contemplando a testa da mulher, porém, ele seguia pensando."

Livro Negro, Orhan Pamuk

Estou triste esta manhã...

Estou triste esta manhã. Não me repreendas.
Escrevo-te de um café próximo da estação dos correios,
Entre os ruídos secos das bolas de bilhar, o retinir das loiças,
As batidas do meu coração.


Delmore Schwarts

A tua boca sobre marte

 (Maria Azenha)


mãe — é dezembro
se morreste, porque fazes
tanta força contra os números?
porque fazes tanta força
na matéria?
as máquinas levaram tudo
— a tabuada a lua.
a febre dos satélites entrou pela casa dentro. Ouves?
sentes?... todos os frutos
ao contrário na tabua­
da da neve.
e a tua boca sobre
marte. e eu sonhando.
sonhando o alfabeto como uma 'máquina lírica'.
sei agora ao contrário
como se chama o inverno. e as árvores
todas destelhadas pelos ventos
de mercúrio. Ë o teu nome dentro
com toda a força na paisagem:
as páginas as
casas

os peixes encarnados avançando
pelos números.

e a chuva toda lá fora ardendo,
pesada,
sobre a terra inteira como estátuas puras.
como se chama, mãe, a neve agora?
agora, mãe,
é janeiro
todo o tempo fora:
— as máquinas levaram tudo,
a tabuada a lua.