domingo, 12 de janeiro de 2014

No café...

No café trazem-me um copo com água
como se ele resolvesse todos os meus problemas.
É ridículo - penso - não há saída.
No entanto, depois de beber a água
fico sem sede.
E a sensação exclusiva do organismo
acalma-me por momentos.
Como eles sabem de filosofia - penso -
e regresso, logo a seguir, à angústia.


Gonçalo M. Tavares

O mundo de pernas para o ar



Nunca tive 
os pés bem assentes 
na Terra,
não sei se essa 
era a minha grandeza
ou maior fragilidade,
sei que chegava
à merecearia
que distava 50 m
da minha casa
e já me esquecia
do recado,
da minha mãe
que dizia:
" Que grande 
cabeça no ar".

Sem os pés na terra
e a cabeça no ar,
essa podia ser
a raíz que em mim
já firme crescia.
150g de fermento
ou de poesia?

Lisboa, 12 de Janeiro de 2014


Carlos Vieira

Autonomia de voo



Sentia-se nas alturas
como peixe na água,
ele de qualquer forma
transportava sempre
esse excesso de peso
que sempre o impedia 
de grandes e altos voos
o medo de perder-te.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2011
Carlos Vieira

sábado, 11 de janeiro de 2014

Loucos e santos

Escolho meus amigos não pela pele
ou outro arquétipo qualquer,
mas pela pupila.

Tem que ter brilho questionador
e tonalidade inquietante.

A mim não interessam:
os bons de espírito
nem os maus de hábitos.

Fico com aqueles que fazem de mim
louco e santo.

Deles não quero resposta,
quero meu avesso.

Que me tragam dúvidas e angústias
e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco!

Quero os santos, para que
não duvidem das diferenças
e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos
pela alma lavada
e pela cara exposta.

Não quero só o ombro e o colo,
quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto,
não sabe sofrer junto.

Meus amigos são todos assim:
metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis,
nem choros piedosos.

Quero amigos sérios,
daqueles que fazem da realidade
sua fonte de aprendizagem,
mas lutam para que a fantasia não desapareça.

Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância
e outra metade velhice!

Crianças, para que não esqueçam
o valor do vento no rosto;
e velhos, para que nunca tenham pressa.

Tenho amigos para saber quem eu sou.

Pois, os vendo loucos e santos,
bobos e sérios, crianças e velhos,
nunca me esquecerei de que "normalidade"
é uma ilusão imbecil e estéril.



Amargo beijo


Acordo com o teu nome nos 
meus lábios - amargo beijo

esse que o tempo dá sem
aviso a quem não esquece.


Maria do Rosário Pedreira

É sábado e eu


Acordo em forma de cubo de gelo.
A minha cabeça é uma cúpula de cristal,
onde o Mourinho decidiu introduzir
no último minuto do jogo,
uma vuvuzela.
No intervalo, sou levada num trenó
por uma horda de cães da Sibéria.
Perco um chinelo pelo caminho.
Fico sem bateria no telemóvel.
E no momento preciso em que consigo,
por fim, segurar as rédeas
e encontrar um horóscopo
no bolso do pijama,
resolvem tocar à campainha e fico
minutos a fio a tentar perceber
como é que funciona o raio do intercomunicador.
Passo o ponto alto do dia agarrada aos botões,
sem saber, no fim, o que é que queriam:
a leitura do gás ou a dica da semana.

Golgona Anghel

O beijo de cinema



Coloco
entre mim 
e a chuva
o teu retrato 
a preto e branco,
lembro a primeira vez
que te beijei chovia 
uma chuva molha tolos,
não fosse a dureza do vidro
empunhava a moldura
e volltava outra vez
a dar-te aquele beijo 
de cinema.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira