sábado, 11 de janeiro de 2014

Aves haiku LXXIV



Houve um passarinho aflito
que me contou que estavas empoleirada à janela
cinco andares acima da minha.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira



Manifestação em Banguecoque

Manifestação em Banguecoque

Às botas cardadas 
do exército,
em Banguecoque,
um protesto
soçobrou.
O gaz lacrimógéneo
cumpriu a sua função,
há sempre 
uma primeira vez
para "verter lágrimas".
Qualquer manifestação 
contém quase sempre,
algo de irracional,
mesmo se a favor
da democracia.
Mesmo,
quando são uma lufada de ar
contra a resignação,
sobram os problemas 
dos aproveitamentos.
Por vezes,
existe esse problema,
dos repórteres fotográficos,
dos jornalistas
que se metem 
onde não chamados, 
todavia existem os acidentes
e os danos colaterais.
Ainda bem que aconteceu
em Banguecoque,
nesses países
tudo pode acontecer,
nessa ditadura
da distância.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Ode To Modern Art

Come on in and stay a while
I'll photograph you emerging from the revolving door
like Frank O'Hara dating the muse of modern art
Talking about the big Pollock show is better
than going to it on a dismal Saturday afternoon
when my luncheon partner is either the author or the subject
of The Education of Henry Adams at a hard-to-get-
a-table-at restaurant on Cornelia Street
just what is chaos theory anyway
I'm not sure but it helps explain "Autumn Rhythm"
the closest thing to chaos without crossing the border
I think you should write that book on Eakins and also the one
on nineteenth century hats the higher the hat the sweller the toff
and together we will come up with Mondrian in the grid of Manhattan
Gerald Murphy's "Still Life with Wasp" and the best Caravaggio in the country
in Kansas City well it's been swell, see you in Cleveland April 23
The reason time goes faster as you grow older is that each day
is a tinier proportion of the totality of days in your life


David Lehman

72 Horas



hace tres días que todos los días son sábado por la mañana
acaricio el pomo de la puerta la idea de tenerte para siempre

Pablo García Casado

O teu riso



Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda
 

NO TENGO NADA CONTRA USTED


No tengo nada contra usted, se lo aseguro. He frecuentado a muchos como usted, me he encariñado con algunos, y ellos me han acompañado a lo largo de la vida. Si le restrinjo el acceso a mis escritos no es por hostilidad, sino más bien para no fatigarlo, para que después no se me acuse de abuso o de falta de consideración. Es cierto que en mi juventud recurría mucho más que ahora a sus servicios. Pero la vida me ha enseñado que para mí su utilidad, perdóneme que se lo diga, no depende de que esté siempre dando vueltas a mi alrededor, sino de un factor que podemos llamar eficacia. Con esto no quiero ofenderlo ni hacerlo a menos: mi respeto por usted es absoluto. Podemos decir que lo considero indispensable, pero en dosis moderadas. Un gran poeta dijo que usted, cuando no da vida, mata. Y yo no quiero que me mate ni que mate mis textos, señor adjetivo.

 David Lagmanovich

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Diário


25 de Janeiro de 1976, domingo

Neva. Bebo um café e como um «babá» na pastelaria feminina de Jodoigne. O convívio, a vida de grupo, continua a parecer-me um problema insolúvel, mas deixei de ouvir a frase que o exprimia, quando me levantei esta manhã. Aos homens escapam muito mais coisas do que aos animais e às plantas________
Não gosto de ver nevar quando estou sozinha. Ouço uma música adequada à neve. Como já disse, a pastelaria é feminina.
A Quinta, o pão, absorve todo o tempo. São sempre os mais pobres que trabalham, que trabalham no tempo até o abolirem.
As crianças imaginam que a vida dos adultos, quando estão com elas, é sempre um prazer.
Limpar a casa, ver o chão brilhar e espelhar o que imagino, e é real, fazer almofadas trabalhando o tecido para o repouso, acender a luz quando faz noite, e olhar e olhar-me sob outra perspectiva, são já belos motivos para viver.
Mas nada escapa a esta tristeza doce que é também provocada pela minha existência limitada do tempo.
Volto para casa, fazer croquetes. Mas antes leio uma frase de Histoire de l'idée de nature:
*«Mas a natureza não é assunto de um só sábio.»*