sexta-feira, 10 de janeiro de 2014
Esta noite
Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos.
Fernando Pinto do Amaral
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos.
Fernando Pinto do Amaral
Não sei quantas almas tenho (fernando pessoa)
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.
Instantâneo
Mesmo aqui em frente, é meio-dia,
10 de Janeiro, fixo-me no pássaro amarelo a esvoaçar, à volta de uma flor
vermelha. Podiam ser um canário ou uma rosa mas não eram, não sei o nome, nem
de um nem de outro, o que pode tornar tudo mais misterioso. De repente, o
pássaro caiu fulminado e a flor desabrochou, podia ter sido assim, mas não foi.
Não, a flor não ficou depois ali a pairar, sobre aquele pássaro morto, ambos
seguiram o seu destino. Para embelezar a história daquele momento, precisamos
de misturar na dose certa, um pouco de mentira mas que seja verosimilhante,
fica bem o verde do cedro como pano de fundo, um pingo de veneno, não se pode
morrer de AVC, um pouco de amor sem lamechices, a poesia deve ser lenta e a morte
súbita, sem muitas explicações e depois bebê-la de um trago.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira
Jan Zaremba, “Pássaro amarelo, flor vermelha”
Noites em branco
Subo à volta de mim
como uma escada em caracol
trancou-se a porta do torreão
estou preso no nevoeiro
a memória da minha mão
procura-te entre lençóis
por onde agora desço.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira
Fotos de Rudolf Bonvie
Viagens XVI
Andarilho que pragueja,
ao escrevinhar
esbraveja.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira
Cães com nome
Não sei quem te perdeu
se eu se outro alguém
— oiço cães velhos
a ladrar lá fora,
os mesmos cães de sempre
que tu também ouvias
abafadamente pela janela,
com o teu ponto cruz
as minhas telas
os nossos filmes e CDs,
a nossa casa,
o nosso lar,
os nossos cães
se eu se outro alguém
— oiço cães velhos
a ladrar lá fora,
os mesmos cães de sempre
que tu também ouvias
abafadamente pela janela,
com o teu ponto cruz
as minhas telas
os nossos filmes e CDs,
a nossa casa,
o nosso lar,
os nossos cães
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