sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Em memória de um amor desconhecido




Sei que era uma tarde
de Inverno
e faltamos às aulas
e a areia estava molhada.
Ela roubou um livro da livraria,
ainda me lembro
como se fosse hoje,
era o Heliogábalo ou o Anarquista Coroado,
eu nem sequer fui cúmplice.
Ela fumou um “charro”,
eu não fumei.
Ela chegou o seu corpo nu
ao meu
 e eu fiquei capaz de todos os crimes.
A última coisa
que me recordo
numa memória enevoada,
era do livro de Artaud
a fazer de almofada
e os seus olhos estrelados
e a sua cabeleira em chamas,
ainda hoje
o seu nome ficou por ali
preso às rochas
ou na amabilidade da espuma.

Lisboa, 3 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira

Os amantes sem dinheiro

Vem beber café comigo

prometo não largar a tua mão

quando fugirmos sem pagar a conta



Bruno Sousa Villar

Acesa solidão



ela ao chegar a casa não acendia à luz
para que o seu vizinho
de inflamada paixão
não a incomodasse
naquele dia
acendeu uma vela
e ao vislumbrar a auréola
do seu rosto iluminado
inadvertidamente
queimei os dedos num cigarro.

Lisboa, 3 de Janeiro de 2013

Carlos Vieira

Estrada início


pouco depois do autocarro
sair da gare, ela, no caderno
escuro, escrevia a lápis: dentro 
de dois dias, chegar será 
o meu modo de dizer
sim. (e sublinhou a palavra)

Bruno Béu

Prognóstico reservado



A vida está presa por um fio
e por a hora da morte.
Estão a entrar em colapso
os órgãos vitais.
A palavra moribundo
caiu em desuso,
já sobreviver não caiu,
é mais oportuno dizer
que está às portas da morte
e falar das portas fechadas
da esperança
ou que  tem prognóstico
muito reservado
e  com as piores expectativas.
Vivemos
esta escolha meticulosa de palavras
para o limiar da morte
e para o mínimo de dignidade da vida.
Esta recusa
e este medo em nomeá-la,
esta pobreza envergonhada
reconduz-nos à dificuldade
em olhá-la nos olhos,
de frente,
à morte que se fez vida,
em soprar-lhe ao ouvido um insulto
“grande cabra!”
Murmurar-lhe,
tu que o me queres levar
acertaremos
mais tarde contas
aqui nesta morte ou na outra vida.
Já te vi muitas vezes 
à minha frente,
mais vezes do que seria desejável.
Simpatizo com a expressão
está a travar
a sua derradeira batalha,
porque todas as batalhas em que estamos
são sempre as últimas
e abomino
esta morte lenta
do dia a dia que nos tolhe,
este continuar ligado à máquina.

Lisboa. 3 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira

Um poema minimal



Queria ter a arte e engenho
para construir um poema 
recorrer régua e esquadro
que apesar de muito trabalho
parecesse pouco elaborado
quase tosco talvez minimal
depois colocar o fio de prumo
estar seguro do ser vertical
e nivelá-lo todo por alto.

Lisboa, 2 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

A história nunca se repete



A raposa convidou a cegonha
para irem comer uma pizza,
de novo a mesma dificuldade
do bico, o que é agora novo
na história, foi que a noite
da raposa foi de diarreia!

Lisboa, 2 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira