sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Ave haiku V



Uma cegonha por cima da grande planície
em equilíbrio sobre o poste de telefone
atenta a uma chamada de longa distância.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira



Ave haiku IV




Um tordo agita a prata da oliveira e as rémiges 
memórias de azeviche 
sobre a mesa do presente caroços de azeitona.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira




Ave haiku III



O melro
Acende e apaga o silvado
Com seu canto incandescente

Lisboa, 20 de Dezembro de 2013


Carlos Vieira

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Aves haiku II

A andorinha é um boomerang que voltou
que em elipses celebra a convicção de que nada mudou
entre os beirais e o rosto que a espera à janela

Lisboa, 19 Abril de 2013
Carlos Vieira

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Esperança de vida



Há dias o mar roubou a vida a seis jovens
e não devolveu cinco corpos.
Desde então, nós continuamos a caminhar sobre o abismo,
tentamos estoicamente endireitar-nos.
Hoje, morreu com 84 anos Ronnie Biggs, “o ladrão do século”.
Resta-nos fazer contas à vida,
e se possível, amanhã, não temer nenhuma morte,
nem nenhum ladrão.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

Aves haiku I


Só porque andava de calções
Me lembro do chilrear dos pintassilgos
Num campo de urtigas.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Retrato do homem bom




Grita nele
um secreto impulso
o esboço de raiva
da raiz  que habita
submersa 
sob a pele
na véspera
da explosão
dos átomos
no seu rumo
à maior solidão
fere-se
nos estilhaços
do tempo
no gume
da mácula
regressa
ao esquisso
precário
entre o princípio 
do mundo
e o sono
dos justos
dentro de si
o vulcão
cauterizou
com seus lábios
ardentes
as chagas vivas
da sua vida 
agora indeléveis
e desperta
todas as dores 
dos homens 
que lhe revolvem
as entranhas.


Cresceu
nesse interlúdio
num berço
de rudimentos
de ternura 
e rendimento
mínimo
e tecido escasso
de gestos contidos
na dúvida
e na alegria breve
da benevolência
que no seu rosto
enrugado
ainda aflora
e depois esquece
perante a insistência
do silêncio
ao fundo do túnel
a luz bruxuleante
de um futuro
que esmorece
enquanto
a dor vincada
no seu peito
do sonho
onde cabem
todos os homens
desmesurado
cresce.


Lisboa, 17 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira



                                             Solitary Man, de Linda Burgess