I
Chove em Lisboa
em silêncio
num esconso qualquer
onde a noite
de uma aranha
teceu o vazio.
II
A luz escorre agora
oleosa
cidade derramada
sobre o alcatrão
e o frio
breves reflexos
de vidas
em direcção
à sarjeta.
III
Na passadeira
foi atropelado um peão
dentro de casa
sei do piso escorregadio
distingo o grito estridente
o chiar dos pneus
um cheiro a ferodo
a voar
o chapéu de chuva
um sonho negro
e um corpo
mais morto do que vivo.
IV
Da varanda
cai um pingo de água
um inesperado calafrio.
V
Ergo um dique
A segurar um rio
e nesse laboriosa
tarefa
apelo a todas
as forças que me restam
e aquelas
que não tenho
e foi com essas que o dique
resistiu.
VI
Em Lisboa chovem
também
entre outras coisas
lágrimas de crocodilo
enquanto os retardatários
dão de beber à dor
vomita-se
metáforas medíocres
que sendo verdades
não resistem
às primeiras chuvas
é óbvio
que nem só
as guitarras choram em Lisboa
e que quem anda à chuva molha-se.
Lisboa, 22 de Novembro de 2013
Carlos Vieira