Desconheço a razão, porque hoje acordei com estes ossos
atravessados no pensamento, como se fossem ilhas que emergem, reminiscências de
paisagens mediterrânicas.
Os Ilíacos não são muito conhecidos, excepto certamente nos pesados
manuais da anatomia, no surrealismo desinfectado das urgências dos hospitais,
nas salas de diagnóstico e de rastreio dos traumatizados dos acidentes de
viação e de outros episódios, que na vida moderna nos deixam literalmente
esmagados, onde nem os ossos mais desconhecidos ficam ilesos.
Fui pois, em busca dos Ilíacos. Verifiquei que os mesmos são
possuidores de asas como tantos pássaros, só que estes pairam ali na zona da
bacia e voam por ali, naquela tão sensível zona do corpo humano, tendo por
missão a protecção da zona pélvica e sendo um dos mais relevantes suportes, da
nossa erecta existência.
Até aqui nada de extraordinário, que uns desconhecidos ossos
tenham mais relevância que aquela que outros ostentam ou reivindicam, é algo
que os nossos pobres esqueletos, ao longo da sua vida, vão acompanhando com a
indiferença ou a resignação daquilo que se designa serem “ossos do ofício”.
Nesta exploração matutina pelas mais duras partes baixas da
humana compleição óssea, fiquei contudo a saber que os tais ossos, Ílio, Ísquio
e a Púbis eram acompanhados pelo Cóccix e Sacro, o que diga-se de passagem são
companhia de respeito.
Ossos que já me deixaram sem palavras e quase me fizeram
perder a respiração, pois quando atingidos, deixam-nos particularmente
disponíveis, para negociar aquilo que até aí achávamos absoluto, indiscutível e
passando a reconhecer como muito razoável, aquilo que até aí, era para nós do
domínio das mitologias.
Sentado sobre o assunto, fui escalpelizando os Ilíacos e
trazendo-os para a luz do dia, como se num laboratório os visse por outro
ângulo, fazendo incidir sobre aqueles uma outra luz.
Abracei pois estas partes mais recônditas e menos conhecidas
da nossa estrutura, bebi todo o conhecimento que dali podia dispor, visando
ultrapassar tão injusto esquecimento.
Senti necessidade de me espreguiçar e foi então que senti de
novo aquela dor aguda, me apunhalou “as minhas cruzes”, deixando-me de joelhos,
abominando os meandros enciclopédicos, que me haviam despertado outra vez esta recente
e ilíaca fragilidade.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2013
Carlos Vieira