domingo, 16 de setembro de 2012

Prova dos nove



Olho o mundo lá fora
cá de dentro do meu mundo
vou fazendo “de conta”
distraído das contas
e dos descontos
possuído dos contos
vou fazendo o meu “número”
neste conto do vigário
muito pouco contamos
muito pouco nos contam
cá de dentro do mundo
olho mundo lá fora
fiz a prova dos nove
não rima o poema
e as contas não “batem” certo!

Lisboa, 16 de Setembro de 2012
Carlos Vieira

sábado, 15 de setembro de 2012

Preso ao olhar por vadiagem


 

 

o cão vadio atravessa à rua

eu olho nos dois sentidos aflito

 

um cão atravessa a rua aflito

eu o vadio dou sentido ao seu olhar

 

a rua aflita olha para o cão e para mim

dois vadios sem mais que fazer ou ter

que a ela própria rua para atravessar

 

Lisboa, 15 de Setembro de 2012

Carlos Vieira

 

                                                          “stray dog” de Paul Zerbato

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Sonhos da minha professora das ciências exactas


 

 

ela é professora de ciências exactas

na sala de aula o silêncio era eterno

pulverizava a  matéria e o conhecimento deu-lhe asas

 

o instinto afastou-a das casas

ficou deslumbrada naquela iluminação

de rapariga dada a fantasias e prazeres efémeros  

 

ia com as aves e as borboletas

serpenteando nas suas asas

erguia-se o rumor e desassossego nas suas pernas

 

nos seus sapatos de tacão alto

pousava a sua insustentável leveza

e no rosto uma estudada indiferença e incerteza

 

nessa luz diáfana do crepúsculo 

ficava a pairar o seu perfume

uma inquieta e insensata sofreguidão de flores

 

o fulgor do seu olhar lascivo

eram brasas acesas na noite escura

nas mãos ardiam as cinzas de uma antiga solidão

 

 

no cego bater de asas do livro que lia

escutava a sombra mínima que perdura

a ausência do corpo que treme de prodigiosa equação.

 

Lisboa, 14 de Setembro de 2012

Carlos Vieira

 
                                              “Manet Painting Woman as a Chemistry Teacher”

Homens sem tempo



 

os dias ficaram mais curtos

são anos os dias de insecto

nunca haverá tempo para tudo

os sonhos vão ficando menores

talvez proporcionais às distâncias

àqueles breves e tristes insectos

que podem morrer em segundos

em tudo é preciso espaço e sorte

em tudo é preciso ser grande

e chegar a tempo

 

Lisboa, 14 de Setembro de 2012

Carlos Vieira

 
                                                      The Triumph of Death – Peter Bruegel

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Linha de fuga 5


 

 

Em cima do primeiro

acorde da manhã

desce um barco a remos até à foz

uma mulher arrasta a neblina

como se fosse um longo vestido

o batalhão de infantaria

faz exercícios de preparação

para a guerra

vestidos de camuflado

os soldados olham-na estupefactos

armado até aos dentes

a guerra continuará dentro de momentos

o barco e a mulher de branco

atravessou incólume

o dispositivo militar apanhado

de surpresa.

 

Lisboa, 10 de Setembro de 2012

Carlos Vieira

 

Linha de fuga 4


 

 

a deslizar

na corda estendida

da falésia até à praia

quando chegou a terra

era um anjo

com pés de barro

o coração

uma roldana

 

Lisboa, 10 de Setembro de 2012

Carlos Vieira

sábado, 8 de setembro de 2012

Linha de fuga 3


 

 

o comboio ao passar

levou a vaca que pastava na planície

no lugar da vaca deixou a lua cheia

e agora ficamos com excesso de leite

os cornos da vaca são o quarto minguante

e o comboio nunca mais por ali passou

 

Lisboa, 8 de Setembro de 2012

Carlos Vieira

                                                   Lowell Herrero “Cow jumps over the moon”