segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Linha de fuga 4


 

 

a deslizar

na corda estendida

da falésia até à praia

quando chegou a terra

era um anjo

com pés de barro

o coração

uma roldana

 

Lisboa, 10 de Setembro de 2012

Carlos Vieira

sábado, 8 de setembro de 2012

Linha de fuga 3


 

 

o comboio ao passar

levou a vaca que pastava na planície

no lugar da vaca deixou a lua cheia

e agora ficamos com excesso de leite

os cornos da vaca são o quarto minguante

e o comboio nunca mais por ali passou

 

Lisboa, 8 de Setembro de 2012

Carlos Vieira

                                                   Lowell Herrero “Cow jumps over the moon”

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Linha de fuga 2


 

abro a janela

para que o guindaste

possa brincar

com um contentor de

40 pés

o navio nem se mexe

espreita

encostado ao parapeito

o pé direito da ponte

à sua frente

o estivador

olha o sol nos intervalos

a partir do porão

todo este movimento

e o estrépito de luz

ocupam no estendal

o peso insignificante

de um pensamento

mais inútil

que o voo elíptico

das gaivotas

prestes a desfalecer

ou o ânimo

do início das viagens

a que regresso

ao fechar as janelas

neste mar interior

 

Lisboa, 7 de Setembro de 2012

Carlos Vieira

 

                                              De David Alessio

linha de fuga 1


 

 

ir pela rua

e tropeçar

no sorriso de sol

que se perde

no infinito

dos carris

 
Lisboa, 7 de Setembro de 2012
 Carlos Vieira
 

The week in pictures: 19 March 2010 (The Telegraph)

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Mercador de ilusões


 

 Fui ao mercado,

e comprei :

- uma dúzia de sardinhas

- um quilo de tomate

- uma melancia

- um ramo de hortelã

- uma broa

comigo trouxe

aquele alarido

um palavrão

o cheiro a mar

e a terra e a sal

deixei lá

quase todo o dinheiro

que trazia no bolso

e alguma solidão.

 

Lisboa, 5 de Setembro de 2012

Carlos Vieira

 

       Dali, Salvador (1904-1989) - 1940 Slave Market with the Disappearing Bust of Voltaire

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Ser inteiro…


 
 
ser lúcido como uma lâmina

no fogo de poesia

temperada

ser ave livre no penhasco

firme da  alegria

alcandorada

ser o cavalo de azeviche

que fulminante irrompe do caos

tornando mais humana a madrugada

e de cara lavada

e de peito aberto

ser aquele que comeu o pó da estrada

o que ficou cego na tempestade do deserto

ser a semente de quase tudo

o átomo de areia de quase nada

 

Lisboa, 4 de Setembro de 2012

Carlos Vieira

 

                                                          “dust in the wind” por Eikoweb

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O pombo e a estátua



 

estilo

figura erecta

sobre uma recta

mantendo a distância

a autoridade do carisma

mesmo se o pombo em ânsia

de paz no seu voo contra o vento

o atinge por acaso com a eloquência

do seu excremento.

 

Lisboa, 3 de Setembro de 2012

Carlos Vieira