quarta-feira, 27 de junho de 2012
viagem sem regresso
viagem sem regresso
oiço o alvoroço
o enigma de seiva redonda
que a tua língua decifra
na fruta madura e límpida
... e as pegadas no trilho perene
do tigre no teu desejo relâmpago
nos lábios de sal tremendo
tu espreitas na espiral da onda
após um tranquilo lençol de água
onde deflagra a raiva e a luz
e o gesto tímido e macio da lua
que se apaga ao fundo do túnel
e se acende neste bolinar de barco
que navega intrépido nas tuas coxas
contra a parede de musgo e de líquenes
saboreando o teu mistério de florir
doce semente que esquecida
estás do esplendor das colheitas
meu altar de solidão e espuma
para onde a intempérie te varreu
minha inevitável falta de sentido
que te faz deflagrar numa audácia
de pétalas e de penas
num sôfrego rumo de ternura
até ao intenso estertor do teu torso
que depois transporto
desmaiado nos ombros
e agora juntos
prontos a degolar
a jugular da normalidade
da volúvel memória
que impede que cresçam as asas
de uma nova loucura
Lisboa, 27 de Junho de 2012
Carlos Vieira
oiço o alvoroço
o enigma de seiva redonda
que a tua língua decifra
na fruta madura e límpida
... e as pegadas no trilho perene
do tigre no teu desejo relâmpago
nos lábios de sal tremendo
tu espreitas na espiral da onda
após um tranquilo lençol de água
onde deflagra a raiva e a luz
e o gesto tímido e macio da lua
que se apaga ao fundo do túnel
e se acende neste bolinar de barco
que navega intrépido nas tuas coxas
contra a parede de musgo e de líquenes
saboreando o teu mistério de florir
doce semente que esquecida
estás do esplendor das colheitas
meu altar de solidão e espuma
para onde a intempérie te varreu
minha inevitável falta de sentido
que te faz deflagrar numa audácia
de pétalas e de penas
num sôfrego rumo de ternura
até ao intenso estertor do teu torso
que depois transporto
desmaiado nos ombros
e agora juntos
prontos a degolar
a jugular da normalidade
da volúvel memória
que impede que cresçam as asas
de uma nova loucura
Lisboa, 27 de Junho de 2012
Carlos Vieira
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Príncipe das trevas
na noite escura
a humanidade é um rabisco tosco, traço aceso do lápis de
carvão, cujo vigor se vai esbatendo
no precipício branco da página com assinatura reconhecida
no ardor da luta
a escrita mais pungente são hieróglifos, feita das
cicatrizes dos soldados com mais ou menos
pontos, evidências de danos colaterais
essa alma de fraga
feita de barragens e de quedas de água, nos rápidos percursos
da vida do alcatrão e do
cimento e das energias alternativas
fé indómita
de peregrinos e empreendedores, articulando orações, cunhas,
encruzilhadas, carreiras,
atalhos, futebol e currículos
loucura de sílex
sobrevoando o céu e a terra leva-os consigo, não lhe cabem no
peito, emergem às golfadas,
punhais e punhos de renda dos negócios, semeando
estratégicos vendavais
vai duende e arauto lúcido
que percorres avenidas e becos e conta as histórias, apenas histórias,
que outra coisa nos
podem contar, estes novos duendes, depois de jogarem na
bolsa e no totoloto
neves eternas, vegetação luxuriante e animais portentosos
ninguém previa sua morte fulminante, naquela estação de
inverno, de um período com
“forfait” incluído, naquele ano só farias pistas vermelhas
no entanto já lhe chegara aos ouvidos
pássaros de insónia e
da montanha
cujo canto atravessa o deserto e se afogam de inveja, nesses
oásis que são as áreas de
paisagem protegida, depois de não sei quantos “Valiuns”
estou aqui ao balcão desse manancial de seiva e sol
que alimentam a minha sede de justiça, da raiva justa dos
rebeldes e a cirrose, de água lisa em
copo alto com duas pedras de gelo, meu amigo dá de beber à dor
na insólita manhã
onde todos dormem e desconhecem o sucesso vespertino dos
burocratas, as manchetes que
vendem o relevo dos escroques e medíocres e ligam a
ventoinha com que espalham a lama
brotam na árvore nua
nesse espectro dilacerado das lâminas da indiferença e de
animais abandonados e flores de
metal
que falharam por uma unha negra uma zona vital
véspera de chuva ácida
de mão esgarçadas e de bocas ávidas, desconhecendo a
essência das palavras, estamos em
seca estrema
e tempo estreito
vertigem de um olhar atónito no vazio, nesse magro pecúlio
de uma vida inteira, “jaz morto e
arrefece” o corpo de um ladrão, depois do furto formigueiro
olha a colheita escassa
beijada pelos pés descalços da brisa, enfeitiçada do canto que
não conhece a esperança
fechem a porta, cuidado com as correntes de ar e os cartões
de crédito
vento norte
país do sul de gente inquieta, aguardando o tempo do
regresso ao sonho dos barcos cansados
apaga esse ar envergonhado da periferia, de não conseguires
pagar o empréstimo
mar rouco
ruminando o sal e vigiando o quarto crescente e a
inacreditável destreza dos peixes nos corais
mar da frota desmantelada e de pensão completa e de reforma
adiada
silêncio antigo
cúmplice das festas caladas no território dos sentidos, de corpos
que só agora desceram das
nuvens, acorda meu amigo da noite escura para a dura
realidade
e aguenta estóico
que é sempre tempo de escrever
e virar nova página
da mesma vida
vai sendo tempo de
uma nova vida
de uma nova morte
Lisboa, 25 de Junho de 2012
Carlos Vieira
domingo, 24 de junho de 2012
a minha alegoria da caverna
no meu sonho de gruta
há um veado ferido
que cintila amordaçado
na ancestral pintura
ali acredito na noite
de um beijo e ponho o dedo
na ferida da pedra
e acredito no que vejo
uma nota breve ou brilho fugaz
uma palavra dura ou súbita dor
estou perdido perseguindo
a sombra e o que não vejo
porque ficando cego
na clarividência da contraluz
apenas invento a constelação
etérea do que me seduz
Lisboa, 24 de Junho de 2012
Carlos Vieira
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