domingo, 3 de junho de 2012

Loquacidade do teu corpo


o regresso à infância

ao recreio das palavras

a estranha exuberância

do jogo da cabra-cega

à loquaz melancolia

do tacto e do aroma

dos teus seios



oiço-te

numa língua estranha

de pura urze

e levo as tuas palavras

como um rebanho

até à abundância verde

dos teus olhos

no teu rosto deixas tudo a nu

o silêncio cortante

das tuas unhas

e o grito estrangulado

no desfiladeiro

das tuas coxas



o bailado de conversas

nocturnas

um rastilho de fogo

no círculo das caravanas

os cães ladram

sobrepostos

ao murmúrio do perigo

e transparece no teu olhar

uma ininteligível torrente

rasgamos a roupa

e levamos tudo à frente

sem pestanejar

sem uma única palavra



as tuas palavras

lambem o destino

os teus dentes

mordem os frutos

que se escondem no bosque

onde os pássaros nunca

irão calar a sua eterna

revolta  de só terem

as asas

e a liberdade

para se tocar

discretamente

e decifro na partitura

do teu corpo o voo das aves

os teu gritos de prazer

que se despenham

ora no céu ora no vazio

não deixam nada por dizer.



Lisboa, 3 de Junho de 2012

Carlos Vieira

                                                            Man Ray “lips in the sky” photos




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