quarta-feira, 25 de abril de 2012
revolução tranquila
“The house was quiet and
the world was calm.
The reader became the
book; and summer night”
Wallace Stevens
pétala
grito coado de seiva onde se tece
o pensamento da luz e do silêncio
e o primeiro canto livre dos espinhos
de coragem
sílaba
nos lábios de veludo onde renasce
a escola da ternura e o espanto da porta aberta
o azul é apenas o mar à volta das palavras
de viagem
perfume
das manhãs sobre o tronco da liberdade
que desperta e nos abraça desajeitada
e na sua timidez ainda seduz os pássaros
de passagem
lâmina
que te corta as cordas em que corre
agora o sangue
dos teus pulsos e se reinventa nessa
flor caída
no chão da história onde germinam tranças
de sonho
de miragem
lágrima
página de água que se solta do cárcere
da carne
véspera de dor que vence a vasta solidão
do areal do tempo
e nas conchas das tuas mãos se
oferece em sede de perdão
e de paisagem
cópula
onde cada átomo é o testemunho de puro
prazer
em cada um se aprende que somos o vento
e o céu e a vergonha
e cada gesto mais penetrante do
amor que buscamos nos encontra
mais selvagem
pétala ou sílaba
de perfume e lágrima
lâmina da cópula
onde chora
onde cheira
onde sangra
a revolução tranquila
Lisboa, 25 de Abril de 2012
Carlos Vieira
“ Farmer
Sitting at the Fireside, Reading” de Van Gogh
domingo, 22 de abril de 2012
sábado, 21 de abril de 2012
Xaile Negro
Subitamente
invadiu a página em branco
o vulto de mulher de xaile negro
e lenço no cabelo
como se caminhasse de costas
para uma manhã de neve
saiu do nevoeiro
algures no princípio dos anos sessenta
apercebi-me disso
pela tímida amostra de cabelo
que se soltou
uma confidência da memória
e considerando a falta de ritmo dos passos
uma desprezível curvatura do tronco
diria que podia atravessar a meia idade
naquele andar de viúva
frágil
ou de abandono de emigrante
tinha aquele olhar de mulher
que já deixou Deus a falar sozinho
depois era uma mancha
que descia no atalho do papel
vergastada pelo vimieiros
aproximando-se perigosamente do rio
e foi então que lhe vi o rosto
de pálida serenidade
como se a vida já tivesse partido à muito
como se precisasse da corrente
para voltar para junto de si
um espectro que adejava
à beira de outro tempo
e na tinta que corre pela página
fixando apenas o xaile negro
e o lenço mais à frente
dispersos na nudez do corpo frágil
debatiam-se os ossos e a luz
apenas sombras fugazes
à flor da erva
subitamente esbate-se
e fico de novo sozinho
suspenso sobre o buraco negro
a perscrutar a mão que se estende
a acenar a página em branco
a aguardar o rumor da escrita
Lisboa, 21 de Abril de 2012
Carlos Vieira
“Woman with
a mourning shawl” de Vincent Van Gogh
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