quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012









       'Shoot for the moon. Even if you miss, you'll land among the stars.' ~ Brian Littrell

Karen Dalton - Take me

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A Fine Frenzy: Think of You

Dois poemas sem pão e sem título



 I
o pão é alvo
a fome é negra
as letras são magras
e correm como loucas
pelas  folhas em branco
são pássaros neste tempo
de Inverno rigoroso
que buscam as migalhas do poema
do pão que o diabo amassou

II
pensar o poema
juntar-lhe o fermento
ir ao forno da memória
das noites de pão quente
ou de antes disso
do pão ázimo
dos versos mal cozidos
que a mãe trazia pela mão
de volta à casa
da fome e do medo

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2012
Carlos Vieira



“Saint blessing of bread, together with an elderly lady and a young” por Jusepe de Ribera


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

NOIVADO


Estendeu os braços carinhosamente
e avançou, de mãos abertas
e cheias de ternura.
- És tu Ernesto, meu amor?
Não era. Era o Bernardo.
Isso não os impediu
de terem muitos meninos
e não serem felizes.
É o que faz a miopia.


Mário-Henrique Leiria

(Contos do Gin-Tónico)

Antoine Watteau


Crepúsculo mascarando as árvores eas faces
Com o seu manto azul, sob um disfarce incerto;
Uma poalha de beijos rondando as bocas lassas...
Surge terno o que é vago e longínquo o que é perto.


A mascarada, outra longe melancolia,
Faz o gesto de amar mais falso, triste encanto.
Capricho de poeta - ou prudência de amante,
Que para adornar o amor há que ter maestria -
Eis barcas, libações e harmonias.

Marcel Proust


"The Feast of Venice" - Antoine Watteau

Sinfonia Fantástica, de Berlioz


Programas, poetas, sonhos de ópio,
 pastores pipilando, e as guilhotinas,
 e o sábat das bruxas ao som do Dies Irae,
 comédia melancólica e sarcástica
 de romantismo sentimental e crítico
 desesperadamente triste de si mesmo,
 na solidão do espírito perdido
 num mundo burguês sem fantasia,
 sem mais maravilhoso que o da infâmia,
 sem mais espanto que o da hipocrisia.
 Tudo isto com bem pouca reserva,
 bastante vulgaridade, muito efeito fácil,
 e um colorido por vezes novo rico
 como os cristais e as pratas dos barões banqueiros.
 Mas é música, violentamente
 música. Agressivamente
 música. Os ritmos
 de cadência, colorido, timbres,
 estilos, tons - é tudo música.
 Da solidão romântica imensamente pública - mas solidão.
 Da amargura romântica tremendamente amena - mas uma amargura.
 Da raiva de não ser o mundo uma obra de arte,
 um indivíduo, a glória, a liberdade.
 Música pungente, irónica, raivosa,
 ainda saudosa das doçuras clássicas
com deuses imortais (de pedra branca).
 Se não sentimos isto, porque a grosseria
 cresceu à escala cósmica, nenhuma culpa
 acaso cabe a tais visões sonoras,
 em que a tristeza sabe imaginar-se
 tão puramente um canto de oboé,
 com percussões pontuando o mundo a que assistimos,
 ao som dos arcos e metais:
 grandeza caricata deste inferno amável
 (cheio de róseas profundezas - e assassinos).

23/10/1964
Poesia II, Jorge de Sena