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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Terra à terra


Há dias em que dentro de nós há sementes de fúria
vamos pela noite fora e faíscam lâminas de charrua
a esventrar a terra do eterno descanso

há dias em que mordemos de raiva a côdea da terra
e irrompendo pelos caminhos das trevas
somos a incansável perícia do trigo

há dias de tropeçar nos torrões a agonizar nas planícies
do estrangulado desespero de raízes
de pressentir a minha sombra debaixo da terra

há dias que recordo o cheiro intenso depois das chuvas
e do vapor que se libertava das entranhas da terra
agora só a memória me deixa respirar

há dias em que dormimos abraçados eu e a terra
há dias que parecem noites em que não durmo
depois vou acordar já morto nos teus braços

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2012

Carlos Vieira





                                               “Who am I” pintura de  Maximilian Toth

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Nós e amarrações


I

flor de cordel
de onde se desprende
a voz
felina
feroz
por dentro da pele
e da raiz dos pulsos
cicatriz
de novo aberta
de novo alerta
neste papel
de nós

II

palavra
que penso
que presa
na garganta
fica só
e pensam
que posta a pão e água
ficarás à solta
que darás a volta
e deixarás de ser
palavra
e de ser

III

a nó
se desfaz
o longe
e o perto
e a sua paz
dão-te mais corda
dando-te o deserto
dão um ponto
sem nó
apertam agora
de mão firme
muito seguros
de si mesmo
não o irão largar
vão escovar-lhe
o ego
e de olhos bem abertos
ficará à sua espera
o nó cego


IV

é um silêncio
que se desata no teu rosto
que se desenrola
no teu gesto sereno
é o laço
feito dessa fibra apaixonada
de um abraço
que tece estrelas
na noite do teu regaço
e desce outra vez pela corda
à tua gruta perfumada
à minha sede
e desprendida
voltas a voar
sem rede
sem balanço
sem nós
num baloiço
cabisbaixo
neste jardim
que deixou de ser
de nós

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2012

Carlos Vieira
    
                                              
                                                             Pintura de Isabel Lhano