sábado, 3 de agosto de 2013

Linhas cruzadas


I
Esta noite vi passar 
por três vezes o TGV
nos arredores da terra de ninguém
num ápice
percorria a distância
que separava o sonho
deste apeadeiro.

II
Como seria o mundo se Napoleão
não fosse devorado pelo ciúme
e Josefina estivesse
por ali
disponível
durante a campanha
no wagon lit
imperial.

III
E se Van Gogh
pudesse ir amiúde
de Arles a Paris
e esse comboio
fosse também a sua vertigem de tempo
a lâmina da navalha
a volúpia
que o isola da paisagem
e a desfaz em pedaços
a cada segundo.

IV
O que iria escrever
Júlio Verne
agastado pelo matraquear
do mundo sobre carris
por esta aventura
com passagem de nível e horários
de uma locomotiva arquejante
que se afasta do cais.

V
Nesta noite de insónia
arquivei de vez
este projeto de sonho
em bitola europeia
substituindo-o pela linha do Tua
submersa no futuro
que se cruzava
com tantas outras linhas
que percorri
por vezes
apenas na ardósia e giz da infância
e no carvão da Serra dos Candeeiros
linhas de vida abandonadas
aromas de vindima
e óleo queimado.

Lisboa, 3 de Agosto de 2013
Carlos Vieira


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