terça-feira, 11 de novembro de 2014

folha 9


a parra
que esconde o sexo
enrubesceu
Lisboa, 11 de Novembro de 2014
Carlos Vieira

folha 4


falta-nos
a respiração
perante a beleza
e o perigo
dos elefantes
a andar de nenúfar
em nenúfar
Lisboa, 10 de Novembro de 2014
Carlos Vieira


folha 3


a folha
de plátano
que foi lança
vermelho vivo
resistente
voou da árvore
e foi na dança
amarelo torrado
agora aos tombos
em agonia
desce a escada
íngreme
feita farrapo
exangue
talvez
o vento
lhe pegue
e a leve
até mão
de criança
que a adormeça
no herbário
junto da família
do limbo
das lanceoladas
Lisboa, 10 de Novembro de 2014
Carlos Vieira


folha 2


três seixos vermelhos
e uma folha verde
pequenas artérias 
e poros de luz
reinventam o mistério
exorcizam
toda a obscuridade
Lisboa, 10 de Novembro de 2014
Carlos Vieira


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Folha 1




esta folha de oiro caída
é língua morta
que o vento gurgita

efémero insecto
que exausto transporta 
a página do inverno da vida

lâmina calada
que um silêncio afiado
de nervos e filigrana exorta

rasto na estrada
perdido no desassossego
bandeira derrubada

Lisboa, 9 de Novembro de 2014
Carlos Vieira


domingo, 9 de novembro de 2014

Palavras com significado

O artifíce
da palavra
ausculta
um desconhecido
sentido interior
murmura
consigo próprio
o desconforto
da viagem
cuida
da imperceptível
ternura
que percorre o ar
que as liga
as palavras escolhidas
e as que renova
e nas suas sílabas
vai crescendo 
em fogo lento
a raíz 
do canto
de um pássaro
que se tornou
a árvore
e a sua sombra
e adquirem o ritmo
da chuva caíu
na boca sequiosa
e naquela expressão
seca
nasce o rio
que corre
mais do que o grito
por um novo leito
e a partir
das suas margens
vai inaugurar-se
o crepúsculo do diálogo
onde os peixes
são versos soltos
que roubaram
a luz das estrelas
e agora o poema
está coberto de escamas
tornou-se armadura
de um poeta guerreiro
que voltou da batalha
da busca lapidar
da essência das palavras
e do silêncio
ao recolhimento
que o faz regressar
à descoberta 
de um outro tempo
a reclamar um valor novo
para a vida
dos que não tem
não sabem
ou não querem 
a palavra.


Lisboa, 9 de Novembro de 2014
Carlos Vieira










sábado, 8 de novembro de 2014

Jardim Zoológico contíguo à minha infância



Feri-me
num joelho
na altura
em que saltava
o muro 
para o mundo
do Jardim Zoológico
tinha amigos
entre a bicharada
e os tratadores
clientes fiéis dos copos de três
do meu avô
na Travessa das Águas Boas
tinha no horizonte ao fundo uma sebe 
que não me lembro
em que estação tinha flores violeta
por cima delas os longos pescoços 
manchados das girafas
desde esses tempos a espreitar
foi a calçada molhada de granito 
a reluzir
e os bassos anos sessenta
com inveja das nossas brincadeiras
das caricas
passado tão vivo
como o sangue que corre 
de um ferida que nunca 
vai sarar.


Lisboa, 8 de Novembro de 2014

Carlos Vieira