De súbito um salto felino dos caracteres dos jornais numa breve o reflexo de um avistamento a distância em silêncio percorrida surge-nos na densa mata das notícias ao mudar de página e nela desaparece entre imagens de destroços de um morteiro na Síria o fogo da sombra sarapintada no lince da serra da Malcata preenche de espanto dos apartamentos de animais domésticos e homens mansos e dos outros em vias de extinção e devora a boa consciência das manchetes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos Não pela cor Mas pela vastidão da alma E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos Ficam para além do tempo Como se a maré nunca as levasse Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos pela grandeza da imensidão da alma pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens... Há mulheres que são maré em noites de tardes... e calma
Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6/11/1919 – Lisboa, 2/7/2004)
O cerzir do véu
do olhar
temperado por um solfejo de espuma essa fragância da maresia que se escondia no sabor das partículas do seu corpo eram também a breve memória da resplandecente constelação de um amor inominável e fecundo
do marejar nas noites
de insónia a infinita solidão lançadas ao mar as cinzas do seu mundo
Dentro de mim um mar encrespado uma iminência de naufrágio do navio uma pungência não te vou acordar agora que temos a vida por um fio não possas tu confundir o amor com esta nunca resolvida urgência de partir uma espécie de música de oceano dentro de nós aprisionado manancial de vida feita de outras tantas mortes.