sexta-feira, 19 de agosto de 2016
Porque pertenço à raça...
"Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos abertos. E conhecem o abismo pedra a pedra, anémona a anémona, flor a flor."
Sophia de Mello Breyner Andresen
Sophia de Mello Breyner Andresen
Poema para três nespereiras de todos os dias
Despir
com os dentes
tão brancos
a película
e a penugem
morder
a carne tão doce
e amarela
das nêsperas
com os dentes
tão brancos
a película
e a penugem
morder
a carne tão doce
e amarela
das nêsperas
sair à rua
escutando
o esturgir
ao pisar a nervura
das folhas secas
sucumbir
ao perfume
das nêsperas
escutando
o esturgir
ao pisar a nervura
das folhas secas
sucumbir
ao perfume
das nêsperas
cuspir
o carôço
redondo
húmido
de sumo
e de saliva
sobre a terra
e esperar
que dê
novas nêsperas
ao mundo
o carôço
redondo
húmido
de sumo
e de saliva
sobre a terra
e esperar
que dê
novas nêsperas
ao mundo
gosto
das deixar ficar
e de deixar-me ir
e no outro dia
elas estão
à minha espera
mais eloquentes
na Primavera.
das deixar ficar
e de deixar-me ir
e no outro dia
elas estão
à minha espera
mais eloquentes
na Primavera.
Lisboa, 20 de Abril de 2016
Carlos Vieira
Carlos Vieira
Blues para um desconhecido
Era um homem
nobre
que só levava
a sério a vida
ébrio
um dia
numa noite
em que estava
sóbrio
resolve jogar
à roleta russa
uma bala
desenhou-lhe
na parietal
do crânio
a auréola
de uma flor
vermelha.
nobre
que só levava
a sério a vida
ébrio
um dia
numa noite
em que estava
sóbrio
resolve jogar
à roleta russa
uma bala
desenhou-lhe
na parietal
do crânio
a auréola
de uma flor
vermelha.
Mais tarde
no funeral
da segurança social
do homem nobre
num dia de chuva
perguntaram-lhe
"- Quer despedir-se,
vê-lo uma última vez?"
acenou que não
guardaria do pobre
a imagem
do homem
desconhecido
que sorria,sorria, sorria
sem sentido.
no funeral
da segurança social
do homem nobre
num dia de chuva
perguntaram-lhe
"- Quer despedir-se,
vê-lo uma última vez?"
acenou que não
guardaria do pobre
a imagem
do homem
desconhecido
que sorria,sorria, sorria
sem sentido.
Lisboa, 19 de Abril de 2016
Carlos Vieira
Carlos Vieira
O copo é uma apagada lanterna
o copo é uma apagada lanterna
que repousa no balcão
a sua mão no vazio
sobrevoa a taberna
em voo inábil
eloquente e último
e tardio
que repousa no balcão
a sua mão no vazio
sobrevoa a taberna
em voo inábil
eloquente e último
e tardio
Lisboa, 19 de Abril de 2016
Carlos Vieira
Carlos Vieira
In vino veritas
ou da dificuldade
de perceber o copo
meio cheio ou meio vazio
de perceber o copo
meio cheio ou meio vazio
Lisboa, 19 de Abril de 2016
Carlos Vieira
Carlos Vieira
Mais uma pequena história de um naufrágio irrelevante
A grande
mão nocturna
do farol
europeu
acende nos escolhos
uma coroa
de espuma
de morte
e sal.
mão nocturna
do farol
europeu
acende nos escolhos
uma coroa
de espuma
de morte
e sal.
É o seu uivo
de animal
ferido
que irrompe
seminal
neste lugar
de cinzento
e bruma
de visto
e tinta
permanente.
de animal
ferido
que irrompe
seminal
neste lugar
de cinzento
e bruma
de visto
e tinta
permanente.
Aqui
os navios
comparecem
ao ritual
e se afastam
ou se afundam
no inox
das ondas
e das lâminas
mediterrâneas.
os navios
comparecem
ao ritual
e se afastam
ou se afundam
no inox
das ondas
e das lâminas
mediterrâneas.
Náufragos
naquele uivo
que lhes desgoverna
o leme
e a vida
daquela mão
brutal
pragmática
que tanto treme
sentimental
e mata
de intermitente
cegueira
interior
continental.
naquele uivo
que lhes desgoverna
o leme
e a vida
daquela mão
brutal
pragmática
que tanto treme
sentimental
e mata
de intermitente
cegueira
interior
continental.
Lisboa, 18 de Abril de “016
Carlos Vieira
Carlos Vieira
Joseph Mallord William Turner "The Eddystone Lighthouse in a Storm at Night, with Shipping c."1813
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