sexta-feira, 25 de março de 2016

Arrábida IV


Sento-me
no fim da muralha
no final da tarde
uma única gaivota
por fim
dança
num bailado
de remiges e espuma
na derradeira
vaga
bate as asas
diz-me adeus.
Portinho da Arrábida, 16 de Fevereiro de 2016
Carlos Vieira


Arrábida III


O nevoeiro e o silêncio e os javalis
descem pela serra
feridas de calcário vencem a melancolia verde
reflexos de quartzo
e de peixes cansados do azul profundo
esgrimem entre aromas
de frutos silvestres e a voragem de beijos
dos namorados
desejos sublimes e razões obscuras.
Portinho da Arrábida, 16 de Fevereiro de 2016
Carlos Vieira

Arrábida II


a brisa atormentava os corpos
corajosamente ancorados no inverno da praia
outros sobreviviam na cumplicidade da luz
ao abrigo da penumbra de um barco
grávidos de viagens
por fazer
Pertinho da Arrábida, 16 de Fevereiro de 2016
Carlos Vieira

Arrábida I


Três línguas de areia dourada
o crepúsculo de mar de azul inacreditável
emoldurados de arbustos, insectos e solidão
uma ladainha de gaivotas e o rumor
de sal e oração.
Portinho da Arrábida, 16 de Fevereiro de 2016
Carlos Vieira

Esta chuva molha tolos...

Esta chuva molha tolos
e "chico espertos” também
os inteligentes escapam
pelos intervalos dos pingos
observo o cabelo da rapariga
enfeitado de pérolas de água
repentinamente um automóvel
é dilúvio que me deixa ensopado
na circunstância de um poema
enxuto e luminoso que me distraiu
ao abrigo da inesperada tempestade
que sobre a cidade se abateu.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2016
Carlos Vieira

DIÁSPORA


Divagando galáxia fora
prenhe de novas descobertas
perplexos dos ovos de Colombo
evoluem previsíveis estrategos
honestos sábios andam à nora
os átomos irradiam e gravitam
extinguem-se na invisível diáspora
erram eternamente em busca
do anunciado mundo novo
os reféns de um eterno retorno
sem eufemismo proclama-se
a paz e no segredo dos deuses
prosseguem os preparativos
para as guerras enquanto
exércitos de desesperados
perseguem miragens no deserto
onde estrelas cintilantes acenam
terras prometidas e no final
da jornada ainda ofuscados
os compram por preço abaixo
do mercado por cinco réis
de mel coado.
LISBOA, 12 DE FEVEREIRO DE 2016
Carlos Vieira

Amor impróprio


“Narciso” Caravaggio (1594-96




Desperta
do amor vegetal
dessa coragem 
verde de raiva
e de pântano
deserta das horas
de tédio e cal
liberta-te
da tua lasciva
imagem
que adoras
na água estagnada
do tempo.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2016
Carlos Vieira