enquanto isso
um ano passado
tempo de balanço
365 dias, 5 horas, 48 minutos e 48 segundos
mais coisa menos coisa
que andamos à volta do sol
o resto são contas de outro rosário
as do "banco mau"
e da austeridade criativa
estatísticas:
da emigração oportuna
e de desemprego de longa duração
do peso
das gorduras e das dietas
do coeficiente
de quem vive acima das possibilidades
quem nos trata agora da saúde?
já que esta não se pode dar
qual o universo
da pobreza envergonhada
e da outra riqueza desavergonhada?
qual o patamar
do mínimo de dignidade?
qual o número
dos refugiados e de refúgios?
qual o grau suportável
do aquecimento global
e da corrupção?
que se diz em larga escala
onde começa o sentimento
de justiça cumprida
e acaba a dos justiceiros
dos novos pelourinhos?
até onde podem ir
as chamadas famílias alargadas?
e qual o diagnóstico
dos dramas inconfessáveis
de algumas mães solteiras?
quais as cifras negras
da violência doméstica?
uma "branca" na memória
na percepção da indiferença
e na falsificação da realidade
em saldos?
quantos sobrevivem de escapadelas
e de evasões?
qual o limite da tolerância
e o efeito multiplicador do distanciamento?
qual o nível permitido
de decibéis de ruído e do silêncio aflito?
onde acaba a solidão
e começa o despovoamento
a desertificação?
quem conhece a beleza das pequenas coisas
e qual a sua dimensão?
quais são realmente os pequenos lapsos
e os que são incompreensíveis?
perguntamo-nos pelo fardo de culpa
que podemos carregar
a vida toda
quantos cidadãos vivem
em alheamento ou segregados?
qual a margem de desconhecimento
e o peso da ignorância?
vivemos um momento de imensa escuridão
ou encadeamento?
vive-se nesta matemática
contraditória
de afectividades e de retornos
cedemos à precariedade
e ao efémero
rendidos à inevitabilidade
perante o consumo imediato
a realização pessoal
pagamos com juros elevados
o preço da impaciência
e do isolamento
aprendemos a sobreviver
afastando-nos
ano após ano
dos outros
e (ou) de nós
desconhecemos
o lugar do equilíbrio
e o tempo do amor
vamo-nos desencontrando
progressivamente
outro ano
de saldo negativo
e de sonhos breves
de anos luz
no intervalo dos semáforos.
Lisboa, 3 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira