Espreito teu vulto
sentada sobre a erva macia
do teu peculiar modo de olhar o mundo
o sol a prumo estava pendurado à tua espera
em jeito de provocação tiravas o chapéu de palha
respiravas ao de leve e pausadamente inclinavas a cabeça
para trás em suave declive até fixares o olhar no céu azul
até deixares de ser apenas uma ficção e te despenhares na realidade
eram palavras as aves que partiam de ti num aparato de primeiro voo
ainda frescas que tinhas colhido no ao crepúsculo de doméstica floresta
no microcosmos das tuas mãos circulava a brisa de um beijo imperceptível
nessa subtileza dos afectos e da ausência aprendia-se o florir efémero de um sorriso
reabria-se uma antiga fenda nessa parede inexpugnável da idade da indiferença
adensar-se-ia o mistério se o peixe esquivo não esboçasse uma brevíssima carícia
na semi aberta concha de uma solidão impenetrável depois que foste a mãe distraída
foste no início da noite de anteontem o vulto de mãe inconsolável logo que te chegaram
céleres as notícias de Paris.
Lisboa, 15 de Novembro de 2015
Carlos Vieira