sábado, 13 de dezembro de 2014

Dias de bruma III



Levanta-se agora
o nevoeiro
sob a cidade
deixou um manto
de silêncio
as palavras
saiem da boca
de vultos
embrulhadas
de vapor
como se fossem
poemas
de algodão
acompanha-as
o subtil crepitar
em que se desfaz
a espuma
e a brisa
imperceptível
do bater de asas
da pomba 
da paz.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira



Dias de bruma II



os candeeiros
são flores bruxuleantes
nas ruas da cidade enevoada
fecho os olhos e sonho
o estame incandescente
do teu beijo a incendiar 
a seca e gretada 
solidão dos meus lábios


Lisboa, 13 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira

Dias de bruma I



o nevoeiro 
abate-se sobre a cidade
a luz diáfana
que resiste ao fundo 
do túnel da rua
adquire os contornos
do teu rosto
vivo nesta cegueira
de te ver
em todo o lado

Lisboa, 13 de Dezembro de 2014

Carlos Vieira

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Cancioneiro cínico ou baixo relevo para este Natal - V - A pressa de chegar e de partir



o tráfego prossegue
aos repelões
com um fingimento
da pressa
de quem
não vai a nenhum lado
nas suas inesperadas
pulsões
nestas alturas
é de bom tom
enaltecer
os cínicos do planeamento
tu ficas por aqui
nesse êxtase
nesta estupefação
perante a voracidade
do caos
e o desemprego
de longa duração

alguns aproveitam para fazer amor à hora de ponta

Lisboa, 12 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira

Cancioneiro cínico ou baixo relevo para este Natal - IV - A dúvida existencial dos manequins


tiritam
em todas as montras
toda a espécie de manequim
piscam-nos o olho
há um preço
de saldo
para o vazio
sorriem
nós os que andamos
cá por fora
nesta liberdade
vigiada
igualmente
expostos
ao preço de mercado
liberalizado
fechamos os olhos
duvido
se isto é equilíbrio
mais me parece
resignação


em defesa do pequeno comércio 

Lisboa, 12 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira

Cancioneiro cínico ou baixo relevo para este Natal - III - A sombra mínima dos espaços abertos


passos 
apressados
transportam sombras
e medos e silêncio 
dá-se ênfase ao frio
já vais chegar tarde
já os espaços se tornam mais longos
e as distâncias nos abraços
acrescentam mais ausência
há mais subtileza nas sombras
e anotas mais tristeza no silêncio
e já sentes os calafrios do esquecimento


devagar nem sempre se vai longe

Lisboa, 12 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Cancioneiro cínico ou baixo relevo para este Natal - II - No seu peito vive uma ave e uma pedra


no crepúsculo
já há muito desistiu
um pássaro
num equilíbrio efémero
eléctrico
no fio
de onde caiu
de pedra
e agora o seu canto
é de arestas
afiadas
nas orquestras
de vento
e o seu voo
a prolongada raiva
da tua mão
pedra ou ave
tu és a minha ferida
aberta no tempo

e quem não pecou que atire a primeira pedra

Lisboa, 11 de Dezembro de 2012
Carlos Vieira


Joan Miró
"Personagem atirando uma pedra a um pássaro"
1926
Óleo sobre tela, 73x92 cm
The Museum of Modern Art, Nova Iorque