sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Estilo de vida



Olho para esta gente
as minhas gentes
e por aquilo que me parece
estão contentes
consigo próprios
não tem outras ambições
já atingiram
todos os seus objectivos
promoção, casa, carro e filhos
por esta ordem
ainda que a custo
de cruéis mensalidades
e hipotecas até ao fim da vida
o que é decisivo
é a taxa de esforço
todos reféns
a beberem do mesmo fel
também todos
cada vez mais circunscritos
por si próprios
mais circunspectos
cada vez mais longe
da poesia
e do sem limite
vencidos pela inércia
acomodados
neste estilo de vida
a prestações
e saldos e cupões
e seguros para fazer face
a qualquer acidente
desta vida moderna
e bancos a um juro
muito conveniente
sem viver acima
das possibilidades
sem darem o passo
para além da perna.

Lisboa, 19 de Setembro de 2014
Carlos Vieira



Introspeção



Dias de pântano
e de medo
quanto mais me mexo
e protesto
mais me enterro
os sonhos
deixaram de ser
de acção
mas de hipóteses
de movimento
sonhos de voltar
a correr contigo.

Lisboa, 19 de Setembro de 2014
 Carlos Vieira


Psicanálise com gaivotas



Sento-me na esplanada
sinto-me no Inverno
sento-me na praia
as gaivotas andam numa roda viva
o empregado anda em câmara lenta
eu estou em ponto quase morto
há tempestade no mar
e em terra falta-me o ar
enquanto aqui estou sentado
numa destas mesas de plástico
que anunciam refrigerantes
vem uma gaivota confraternizar
temos sempre umas migalhas
de qualquer coisa
para dar
para estas ocasiões
e voou para outra freguesia
repetiu seu canto minimalista
ter-me-á agradecido
e dito que na sua experiência
de espuma e naufrágios
estava farta de tragicomédias.

Lisboa, 18 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

Foto retirada do site WWW.tripadvisor.com

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

avisto-te...

avisto-te
algures sentada
na primeira carruagem do metro
que inicia a marcha
metro a metro te vou perdendo
outra vez
depois entras de novo
nas trevas do túnel
onde tens permanecido

Lisboa, 18 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

bato à porta...

bato à porta
reconheço os teus passos
afasto-me à pressa
não estou preparado para te rever
o poema não suporta
que tu possas bater-me
com a porta

Lisboa, 18 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

Esplendorosos...

esplendorosos
cardumes de sardinha
fazem-me crescer água na boca
já os cardumes de estrelas
deixam-me de boca aberta

Lisboa, 18 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

um peixe ...

um peixe
foi à boleia da corrente
outro contra-corrente
sonham com uma vida de águas calmas
de grandes lagos

Lisboa, 18 de Setembro de 2014
Carlos Vieira