segunda-feira, 10 de março de 2014

sem semente



o camponês
retirava do saco
uma mão cheia
de sementes
e lançava-as
à terra
como se fosse Deus

agora

o camponês
retira do saco
uma mão cheia
de nada
e atira-se à terra
um Deus desesperado

Lisboa, 10 de Março de 2014
Carlos Vieira







um tractor...

um tractor
cor de laranja sujo
no seu olhar vítreo
e o palheiro destelhado
observam-me
vencidos
pelo abandono rural


Lisboa, 10 de Março de 2014

Carlos Vieira

se nascer...

se nascer uma andorinha
dou início
à Primavera

Lisboa, 10 de Março de 2014

Carlos Vieira

Um gato...

um gato sobe a árvore
os pássaros
não interromperam o canto

Lisboa, 10 de Março de 2014

Carlos Vieira

pobreza sem vergonha



dos pobres
quem quer saber?

viver-se-á
de conhecimentos fortuitos
e de assombrações

apreenderemos
como os casos extremos
nos cuidados intensivos

nas estatísticas  da morgue
de cadáveres por identificar

dos funerais pagos
pela Santa Casa da Misericórdia
com acompanhantes voluntários

na sopa dos pobres
e nas marmitas
aprendemos também
a contar calorias

quem quer saber
da morte pobre
e dos pobres
que estão a morrer?

e daqueles
a quem a morte
tarda?

quem quer saber
do saber dos pobres
e deles saber?

saber
de tanta experiência amarga
e de tão pobre ignorância

Lisboa, 10 de Março de 2014

Carlos Vieira

O cão dorme...

o cão dorme
na relva
ela tira as sandálias

Lisboa, 10 de Março de 2014

Carlos Vieira

O cedro...

o cedro adormeceu
a quem confiar
o teu segredo?

Lisboa, 10 de Março de 2014

Carlos Vieira