quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Pequeno comércio VI


Nunca me esquecerei
da inesgotável fragância
das tangerinas nas tuas mãos.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Pequeno comércio V



O silêncio arrumado
das prateleiras
e o apelo perfumado
das vitrinas
dos mármores
discretos
a pequena
margem
discutível
dos preços
manuscritos
no pequeno
tráfico dos afectos.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Pequeno comércio IV



as couves portuguesa e lombarda
estendem a sua solidão de clorofila deitada
vencidas pelo perfume dos coentros 
da salsa e da hortelã
e a vigilância cortante
de latão da máquina
do caldo verde

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Pequeno comércio III



A minha avó e o meu avô 
na cama , ele a ressonar, e ela
fazia lista numa folha de papel pardo
5 molhos de nabiças, 5 de repolho, 
5 de couve portuguesa, 5 quilos de cenoura, 
3 de pimentos, 10 de tomates, 29 alfaces, 
5 de feijão verde, 5 de feijão verde, 5 de feijão verde,
eu adormecia entre as frutas e os legumes,
nos sonhos que sempre se seguiam
irrompiam frescos os bolos vespertinos 
do mercado do Rego.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Pequeno comércio II



a avó materna levou 
a mão vaidosa à banana
a outra acalmava o frágil coração
sopesando sempre os dois pratos da balança

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira

Pequeno comércio I



no lugar da minha avó
as romãs e os seus olhares fulminantes
perante as mãos desastradas das clientes

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira


Infinitude II



A chuva cai 
miudinha 
sob a cidade
o frio alastra 
totalitário
entreolhamos-nos
exaustos
vencedores
das intempéries
sequiosos
das palavras
que nos despem
e tornam
humano
o infinito.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira