segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Gosto de confundir...

Gosto de confundir frutos silvestres
com cheiros a beijos.

Gosto de confundir os seres celestes
com a hora das ideias primeiras.

J. Alberto de Oliveira 

The Hand

The teacher asks a question.
You know the answer, you suspect
you are the only one in the classroom
who knows the answer, because the person
in question is yourself, and on that
you are the greatest living authority,
but you don’t raise your hand.
You raise the top of your desk
and take out an apple.
You look out the window.
You don’t raise your hand and there is
some essential beauty in your fingers,
which aren’t even drumming, but lie
flat and peaceful.
The teacher repeats the question.
Outside the window, on an overhanging branch,
a robin is ruffling its feathers
and spring is in the air.


Mary Ruefle

From Cold Pluto, 1996, 2001
Carnegie Mellon University Press


Copyright 1996, 2001 Mary Ruefle.
All rights reserved.

Aconteceu assim...

Aconteceu assim: estavam casados há quarenta e seis anos. Os filhos casaram, saíram de casa ou ficaram pelo caminho. Então tiveram cães. Sete ao longo de quase meio século. (Possuíam uma velha casa húmida, sobre o comprido e estreita e que cheirava a esgotos sem que eles o notassem: sinistro). Nenhum cão foi mais amado do que Júlio, um cão de apartamento, branco e sujo. Era muito meigo e passava o dia a lambê-los até obter o que desejava. Dormia aos pés da cama e aos primeiros alvores da madrugada ia acordá-los com grandes lambidelas. Um dia, a velha ficou cheia de ciúmes, convenceu-se de que ele preferia o seu marido. Calou-se, não disse nada, sofreu em silêncio e tentou conquistar o cão por meio de manhas e guloseimas; mas Júlio continuou, sem dúvida devido a uma escolha firme, a lamber primeiro as mãos do velho. A mulher envenenou aos poucos o marido. Conta-se que o cão morreu no mesmo dia que o dono, mas trata-se de uma liberdade poética; na realidade sobreviveu mais três anos para grande alegria da boa senhora.


Max Aub, Crimes Exemplares

Revista Cult » Enrique Vila-Matas e a escrita da ausência

Revista Cult » Enrique Vila-Matas e a escrita da ausência

A Minha Amante



Dizem que eu tenho amores contigo!
Deixa-os dizer!…
Eles sabem lá o que há de sublime
Nos meus sonhos de prazer…
De madrugada, logo ao despertar,
Há quem me tenha ouvido gritar
Pelo teu nome…

Dizem - e eu não protesto -
Que seja qual for
o meu aspecto
tu estás
na minha fisionomia
e no meu gesto!

Dizem que eu me embriago toda em cores
Para te esquecer…
E que de noite pelos corredores
Quando vou passando para te ir buscar,
Levo risos de louca, no olhar!

Não entendem dos meus amores contigo -
Não entendem deste luar de beijos…
- Há quem lhe chame a tara perversa,
Dum ser destrambelhado e sensual!
Chamam-te o génio do mal -
O meu castigo…
E eu em sombras alheio-me dispersa…

E ninguém sabe que é de ti que eu vivo…
Que és tu que doiras ainda,
O meu castelo em ruína…
Que fazes da hora má, a hora linda
Dos meus sonhos voluptuosos -
Não faltes aos meus apelos dolorosos
- Adormenta esta dor que me domina!

SILÊNCIO



Uma noite,
quando o mundo já era muito triste,
veio um pássaro da chuva e entrou no
teu peito,
e aí, como um queixume,
ouviu-se essa voz de dor que já era a tua
voz,
como um metal fino,
uma lâmina no coração dos pássaros.
Agora,
nem o vento move as cortinas desta casa.
O silêncio é como uma pedra imensa,
encostada à garganta.


José Agostinho Baptista

I classici dell'arte si animano con la magia del digitale